Curadoria e tradução de Floriano Martins
Caupolicán Ovalles (Caracas, 1963-2001) foi um polêmico poeta que pertenceu ao período vanguardista dos anos 1960 na Venezuela, influenciado pelo surrealismo e pelos beatniks. Participou ativamente de diversos grupos literários e artísticos como o movimento vanguardista e iconoclasta El Techo de la Ballena, Sol Cuello y Cortado, La Pandilla de Lautréamont, que marcaram a literatura venezuelana na época, e o movimento boêmio La República del Este na década seguinte. Suas obras poéticas mais elogiadas são: ¿Duerme usted señor presidente? (1962), Elegía a la muerte de Guatimocín, mi padre, alias El Globo (1967), Copa de huesos, Profanaciones (1972), e Sexto Sentido u Diario de Praga (1973). Em 1973 recebeu o Prêmio Nacional de Literatura pela coletânea de poemas Copa de Huesos (1972). O livro Você dorme, senhor presidente?, teve edição brasileira pela Sol Negro Edições, edição bilíngue a cargo de Márcio Simões.
SEM DÚVIDA
Sem dúvida
que ao ver apenas uma mulher
ou duas mulheres
a terceira a ser vista
será igual à primeira
com algo da segunda-feira
ou ao contrário
será a número um
de uma nova seção
de duas mulheres.
Sem dúvida
que cada dia que passa
em maior feitiço
ao perder-me ainda mais
em minhas investigações
do céu.
Sem dúvida
que andar com a boca cheia
de pensamentos
é falar em voz tão baixa
que nem ela que me tira o corpo
de pensamentos
me ouve.
Sem dúvida
que vivo em um estado diferente
no qual acreditava viver
quando sou o presente
não posso evitar
uma fuga de mim mesmo
para poder seguir com
VIDA.
Sem dúvida
que sem uso dos sentidos
mágicos
ninguém tem
a primeira pedra a atirar
em cima
de ninguém que seja
réu de solitário
ou de louco.
PENSO
Penso
que tanto me reparti
neste mundo
que já não será possível
ao menos
tentar
me reconstruir no
OUTRO.
Penso
que se por graça divina
conseguisse reconstruir-me
teria diante de mim o espetáculo
de uma
BABEL desconhecida
de modo que seria sempre vão
tentar
a reconstrução
de
um CADÁVER.
Penso
que a cada dia sou mais fiel
ante
meus exagerados compromissos
devido a esta obediência
não sei por onde começar
a operação de me dividir
em belíssimos pedaços de
mim mesmo
para repartir-me
em uma proporção
cavalheiresca.
Penso
em mim mesmo dividido.
O que podemos fazer entre nós?
Penso
que se decido voltar caminhando
sobre minhas palavras
em muitas conversas
passadas
cairei
rapidamente
NO PRECIPÍCIO.
Penso
que devo escrever
assim evitarei que o futuro
me reconheça
na versão feita
sobre mim
entre os amigos do
INFERNO.
Penso
que tanto fui a parte
de mim mesmo
que o todo acabou
PERDIDO.
Penso (ara mim)
que o sentir-se mal é um
sexto sentido.
SE EM VEZ DE DORMIR
Se em vez de dormir
dançasse tango
com seus ministros
e seus chefes de amor
nós poderíamos
ouvir
noite após noite
seu salto firme
de arquiduque
ou duquesa.
Poderíamos rir
assim que o vemos,
ridículo como é,
esperar os aplausos
de toda a guarda real
frenética.
Claro que alguém se cansa
e quer um pouco de diversão
monstruosa,
como esta
de ver
com a lira pendida
no pescoço,
como um romano
ou como uma romana
cega de absurdas crenças geniais.
Se em vez de prometer
a descoberta da pedra
filosofal
que produzirá pão
e notas de vinte,
se dedicasse,
tão soberbo como é,
a vender batatas podres
ou milho rançoso,
os índios desta nação
o chamariam
Cacique Olho de Pérola.
Se em vez de chorar
um dia desses morresses,
como uma porca elegante com suas banhas
importadas do Norte,
nós,
que estamos cansados
de tanta estúpida confissão,
poríamos para dançar as pedras
e as árvores dariam frutos manufaturados.
Com tua velha e putrefata ossada,
alimento de ratos,
encheremos um único lugar desta terra
e o chamaremos
a Cova Maldita
e será proscrita de ver
e dela se aproximar
por temor a despertar tuas histéricas
ternuras.
És chamado
José o dos sonhos,
o das vacas sagradas,
o dono das vacas mais fracas
e
Presidente da “Sociedade Condal do Sonho”.
Teus amigos te chamam
Barbitúrico.
Até quando dormes, senhor Presidente?
Se adoras a vaca,
dorme!
Se ao bezerro adoras,
dorme!
E se o General te dá seu almoço,
dormes demasiado
ou dás a ele uma zanga de sonho.
Cara de Barro,
Olho para ver as serpentes
e chamá-las,
Olho para fazer companhia
e queimar-te
com o humilde Querosene,
Olho para que estejas a meu serviço
como moço barato
de alcova.
Dormes, senhor Presidente?
Pergunto por ser jovem charmoso
e não, como tu, senhor da sesta.
Olho de Barro e Water de Urgência.
UMA NOITE
Uma noite quero possuir uma diarista
Sou demasiado pequeno e ela se ri
Porém parece que queria E então fico
dormindo Sou demasiado pequeno
Uma noite uma diarista É que sou muito pequeno
Seu nome é outro
Sua inteligência é curta Creio que a tratam por bruta
E de vez em quando com meu dedo toco suas nádegas
e saio correndo
Um dia tive amores Tenho cinco anos
Sou demasiado pequeno
Um dia falo – como se fossem namoradas – com galinhas brancas
coloridas
negras
de um pátio de duzentas
Alguém não se explica e tem medo de indagar
Não importa que lhe digam “fique quieto”
ou “vá dormir” Eu sei
TENHO
Tenho um cão duas galinhas um papagaio saio de noite com meu pai tomo cerveja meto medo em qualquer um canto como um desesperado e passo horas sob o sol sou uma concha estou negríssimo unto-me de pó para aparecer mais branco quando vem minha namorada me dizem “barata de padaria” não me unto mais
a um padre lhe digo “sua bênção, padre” e lhe mostro a língua e depois quando o padre se vira então lhe digo “sua bênção, meu bom padre”
depois conto a Guati e acabo de roubar de uma taverna por descuido do dono um ovo dez cigarros e uma torta burriqueira
Eu sei