5 Poemas de César Vallejo (Peru, 1892-1938)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

A atual geração da América não anda menos extraviada que as anteriores. A atual geração da América é tão retórica e faltosa de honestidade espiritual quanto as gerações anteriores que ela renega. Ergo minha voz e acuso minha geração de impotente para criar ou realizar um espírito próprio, feito de verdade, de vida, enfim, de sã e autêntica inspiração humana. Pressinto desde já um balanço desastroso de minha geração, daqui a uns quinze ou vinte anos.

Estou seguro de que estes jovens de agora não fazem senão mudar de rótulos e nomes as mentiras e convenções dos homens que nos precederam. A retórica de Chocano, por exemplo, reaparece e continua, acaso mais encorpada e odiosa, nos poetas posteriores. Assim como no romantismo, a América empresta e adota atualmente a camisa europeia do chamado “espírito novo”, movida por incurável desestabilização histórica. Hoje, como ontem, os escritores da América praticam uma literatura emprestada, que lhes cai tragicamente mal. A estética – se assim podemos chamar esse grotesco pesadelo simiesco dos escritores da América –, carece de algo além, hoje talvez mais do que nunca, de fisionomia própria. Um verso de Neruda, de Borges ou de Maples Arce, não se diferencia em nada de um de Tzara, de Ribemont ou de Reverdy. Em Chocano, ao menos, houve o barato americanismo dos temas e nomes. Nos de agora, nem isto.

[…]
Acuso, pois, minha geração de continuar os mesmos métodos de plágio e de retórica das gerações passadas, as mesmas que ela renega. Não se trata aqui de uma cominação a favor do nacionalismo, continentalismo nem de raça. Sempre acreditei que estas etiquetas estão de fora da arte e que, quando os escritores são julgados em nome delas, caímos em grotescas confusões e piores desacertos.

[…]
Ao escrever estas linhas invoco outra atitude. Há um timbre humano, um pulsar vital e sincero, ao qual deve propender o artista, através de não importam quais disciplinas, teorias ou processos criadores. Suceda essa emoção, seca, natural, pura, ou seja, prepotente e eterna e não importam os recursos de estilo, maneira, procedimento etc. Pois bem. Na atual geração da América ninguém consegue dar essa emoção. E acuso esses escritores de plágio grosseiro, porque acredito que esse plágio é o que lhes impede de se expressarem e realizarem-se humana e altamente. E os acuso de falta de honradez espiritual porque, ao imitarem as estéticas estrangeiras, estão conscientes deste plágio e, no entanto, praticam-no, alardeando, com retórica linguareira, que obram por inspiração autóctone, por sincero e livre impulso vital. A autoctonia não consiste em dizer que se é autóctone, mas sim em sê-lo efetivamente, mesmo que não se diga.

CÉSAR VALLEJO
“Contra el secreto profesional”. Publicado em Variedades. Lima. 07/05/1927.


TRILCE, XIII

Penso em teu sexo.
Simplificado o coração, penso em teu sexo,
ante o filhar maduro do dia.
Apalpo o botão de fortuna, está em sazão.
E morre um sentimento antigo
degenerado em cérebro.

Penso em teu sexo, sulco mais prolífico
e harmonioso que o ventre da Sombra,
mesmo que a Morte conceba e engendre
de Deus mesmo.
Oh Consciência,
penso, sim, no bruto livre
que goza onde quer, onde pode.

Oh escândalo de mel dos crepúsculos.
Oh estrondo mundo.

Odumodnortse!


TRILCE, XXVIII

Somente agora almocei, e não tive
mãe, nem súplica, sem serve-te, nem água,
nem pai que, no facundo ofertório
das chancas, pergunte para sua tardança
de imagem pelos broches maiores de som.

Como eu iria almoçar. Como me serviria
de tais pratos distantes essas coisas
quando se houvesse quebrado o próprio lar,
quando não surge nem mãe aos lábios.
Como eu iria almoçar nonada.

À mesa de um bom amigo almocei
com seu pais recém chegado do mundo,
com suas velhas tias que falam
em tordilho recinto de porcelana,
cochichando por todos seus viúvos alvéolos;
e com cobertos francos de alegres pífaros,
porque estão em sua casa. Assim, que graça!
E me doeram as facas
desta mesa em todo o paladar.

O jantar destas mesas assim, em que se prova
amor alheio em vez do próprio amor,
torna terra o bocado que não brinda a
MÃE,
torna golpe a dura deglutição; o doce,
fel; azeite fúnebre, o café.
Quando já se quebrou o próprio lar,
e o serve-te não sai da
tumba,
a cozinha às escuras, a miséria de amor.


TRILCE, LXVII

Canta próximo o verão, e ambos
diversos erramos, ao ombro
cotovelos, cedros, compassos de um pé só,
escarranchados na única reta inevitável.

Canta o verão e naquelas paredes
adoçadas de março,
choraminga, formiga a aracnídea aquarela
da melancolia.
Quadro marcado de trissado anelídeo, quadro
que faltou nesse lugar para onde
pensamos que viria o grande espelho ausente.
Amor, este é o quadro que faltou.

Mas, para que me esforçaria
por dourar cigarro para tal encantada aurícula,
se, às costas de astros queridos,
se consente o vazio, apesar de tudo.

Quanta mãe acabava adentrada
sempre, em tenaz atavio de carvão, quando
o quadro faltava, e para o que cresceria
ao pé de árdua quebrada de mulher.

Assim eu me dizia: Se virá aquele espelho
que de tão esperado já passa de cristal.
A vida me acabava, para que?
A vida me acabava, para fugirmos

só de espelho a espelho.


SERMÃO SOBRE A MORTE

E, afinal, passando logo ao domínio da morte,
que atua em esquadrão, prévio colchete,
parágrafo e chave, mão grande e diérese,
para que a estante assíria? para que o púlpito cristão,
a intensa bandeirola do móvel vândalo
ou, menos ainda, este esdrúxulo retiro?
É para terminar,
amanhã, em protótipo do alarde fálico,
em diabete e em branco urinol,
em rosto geométrico, em defunto,
que se fazem mister sermão e amêndoas,
que sobram literalmente batatas
e este espectro fluvial onde arde o ouro
e onde se queima o preço da neve?
É para isto que morremos tanto?
Para só morrer,
temos que morrer a cada instante?
E o parágrafo que escrevo?
E o colchete deísta que arvoro?
E o esquadrão em que falhou meu casco?
E a chave que dá em todas as portas?
E a forense diérese, a mão,
minha batata e minha carne e minha contradição sob o lenços?
Louco de mim, louvo de mim, cordeiro
de mim, sensato, cavalíssimo de mim!
Estante, sim, toda a vida; púlpito,
também, toda a morte!
Sermão da barbárie: estes papéis;
esdrúxulo retiro: esta pelanca.
Desta corte, cogitabundo, aurífero, braçudo,
defenderei minha presa em dois momentos,
com a voz e também com a laringe,
e do olfato físico com que oro
e do instinto enquanto viva – devo dizê-lo;
se orgulharão meus impertinentes,
porque, ao centro, estou eu, e à direita
também, e à esquerda de igual maneira.


INTENSIDADE E ALTURA

Quero escrever, porém me sai espuma,
quero dizer muitíssimo e me atolo:
não há cifra falada que não seja suma,
não há pirâmide escrita sem repolho.

Quero escrever, porém me sinto puma;
quero laurear-me, porém me encebolo.
Não há tosse falada que não chega a bruma,
não há deus nem filho de deus sem desenrolo.

Vamo-nos, pois, por isto, comer erva,
carne de pranto, fruta de gemido,
nossa alma melancólica em conserva.

Vamo-nos! Vamo-nos! Estou ferido;
vamos beber o já bebido,
vamos, corvo, fecundar tua corva.

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