5 Poemas de David Cortés Cabán (Porto Rico, 1952)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Existem poetas que tendem a publicar bastante, eles têm a capacidade de criar e publicar continuamente muitos livros. Tudo isso deve ser visto à luz dos próprios interesses do escritor. Para alguns, publicar muitos livros pode se tornar uma satisfação pessoal. Mas a boa poesia, aquela poesia que fica gravada na memória e no coração do leitor por muitos anos, nada tem a ver com quantidade. Quantidade não significa qualidade. Embora certamente alguns poetas consigam criar uma obra cujo valor e riqueza não sejam desmerecidos por sua vastidão, mas em algumas ocasiões a própria vastidão pode se tornar uma armadilha para aqueles que não têm força e imaginação para transcender o que escreveram. Nem todo mundo é Lope de Vega ou Pablo Neruda. Em todo caso, cada poeta escreve de acordo com suas circunstâncias e experiências, e também de acordo com sua necessidade espiritual e pessoal. No meu caso acredito que tudo tem seu tempo, você não precisa se preocupar em publicar. Acho mais conveniente aguardar o próprio poema para ditar as pausas e o tempo da colheita.

[…]
Eu não escrevo todos os dias. Não penso em escrever como rotina. Existem aqueles que precisam, especialmente o romancista ou jornalista profissional que faz da escrita uma profissão. No meu caso, penso na poesia como algo que pode obter melhores resultados se for feito sem pressa e sem a intenção de satisfazer ninguém. Acho que cada circunstância da vida que o poema reflete deve estar de acordo com o sentimento que lhe deu vida. O que acontece com a poesia, e reitero que é o meu caso, é que as imagens que coleciono do cotidiano ficam na minha mente e depois algumas dessas impressões ganham forma no poema. A mesma memória escolhe algumas imagens e descarta outras. Também não tenho um horário específico para escrever. Porém, o sossego da noite é um bom momento para deixar as ideias fluírem em busca do sentido que as anima e dá vida.

DAVID CORTÉS CABÁN
Fragmento de uma entrevista concedida a Aarón Almeida Holmquist, 2018.


NÃO SOU UM TIGRE DE BENGALA

É certo:
não sou um campeão
não sou um herói,
não sou esse galã
por quem tanto a tua mãe
suspira e se revela.
Quase não tenho garras de tigre de Bengala.
Mas esta noite
quando todos tiverem ido para seus quartos
desça devagar,
que as paredes não tremam,
que ninguém nunca saiba quem te fez
esses dois pontos vermelhos na nuca.


O AUSENTE

Para que a minha presença seja menos incerta
Dá-me a tua voz quando entrares com a tua pequena coroa
e me diz o que viram teus olhos
Esperarás por mim?
E vocês pássaros escondidos serão luminosos?
Verão aquele que regressa
Se aproximarão da virtude serena
da costa combatendo sombrias premonições
crepúsculos deste inverno
com o granizo ainda sobre a ramagem
enquanto um pouco de sol cobre a grande harmonia
onde o amor acontece
Ah distantes costas distantes litorais
leves assobios de outono grata liberdade
levada por belas bocas
Leva-me agora
antes que outras paisagens provoquem minha alma.


A DOLOROSA IMPERFEIÇÃO

A obsessão
pela perfeição
a imagem procurando
o sentido das coisas
A insensatez diante de mim
como uma montanha
coberta de neve
meu coração tremendo
trêmulo como um passarinho
perdido na vastidão
agarrado à minha liberdade
e errante na dimensão
do misterioso acontecer
obcecado com o leve chiado
à beira do milagre
ou na derrota do encontro
ali onde desliza teu ser
ignorando a realidade infinita
buscando o rouxinol de Keats
além do infinito acontecer
da imperfeição dolorosa e sem fim.


A ALMA EM SILÊNCIO

O que acontece na minha cabeça vem de fora quando a chuva cai torrencialmente e sacode as árvores. O que significa torrencialmente quando não sabemos nomear e a alma corre te procurando, esperando que algo aconteça, para que o eu regresse e digas onde foste. Estou apontando o caminho que perdi. O que dizes para que possamos recobrar o perdido? O que perdemos quando nos tornamos estranhos? Meu corpo está sentado. Continue sentado esperando e ninguém se detém. Agora mesmo chegas e me abandonas como um balão em frente ao mar. Sigo esperando que cruzes a ponte do rio Yangtzé. Em algum lado está o fim. Agora teu coração é como um espelho que reflete outra realidade. Eu me inclino sobre o último reflexo da tarde para comprovar o que disse. Olho para as montanhas púrpuras e sonolentas. Eu quero chegar ao Mausoléu de Sun Yai-Sen. Olho da minha janela e as nuvens seguem seu curso. Estou perdido sem me mover. Agora estou cruzando a ponte de Nanjing. Dizem que ele é o favorito para pular no vazio. A noite chega e as palavras seguem solitárias, seguem solitárias sem regressar.


ESTAMOS TRATANDO DE SONHAR

Estamos tratando de sonhar, mas ainda estamos acordados, disse à moça do Jardim Botânico. Não é nada estranho, disse ela. Agora eu escolho um girassol, mas não acho que seja de Van Gogh. Talvez sim, eu disse. Mas estou dentro da minha aldeia. Uma vaca está me olhando, não sei se é a mesma que eu vi na minha infância. Você deve estar sonhando com Chagall, disse ela. Pode ser, eu sempre quis morar em uma vila, eu disse. Além disso, as vacas de Chagall têm uma linguagem muito delicada. É verdade, acho que a vida deve ser sonhar o que sonhamos. Estar acordado causa muita dor, disse ela. Gostaria de te acompanhar e pedir a Van Gogh um girassol só para ti, disse eu. Não é possível intervir nos sonhos, disse ela. É verdade, respondi. Além disso, Van Gogh deve estar ocupado entre seus girassóis, disse eu. Se nos afastarmos, eles podem nos surpreender, disse ela. Eu entendo, eu disse. Nem sempre conseguimos o que amamos.

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