5 Poemas de Jorge Cáceres (Chile, 1923-1949)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Uma das características mais marcantes da carreira do poeta, dançarino e artista plástico Jorge Cáceres foi sua precocidade: aos treze anos já havia escrito poemas que chamaram a atenção de Gonzalo Rojas e Nicanor Parra, dois jovens universitários que trabalharam como inspetor no Internato Nacional Barros Arana, e aos quinze anos ingressou no grupo surrealista chileno Mandrágora. Seu nome é comumente associado à geração de ‘38, mas muitas vezes é esquecido que ele era 10 anos mais jovem que a média de outros membros dessa geração, como Eduardo Anguita, Miguel Serrano e Volodia Teitelboim.

A precocidade de Cáceres parece compensar uma vida muito curta. Morreu aos 26 anos, mas conseguiu deixar um rastro luminoso na história da arte chilena, que é lembrado como um entusiasta promotor de todas as tendências da arte moderna que começavam a se estabelecer no Chile no final do século. Poeta e bailarino, Cáceres também fazia pinturas e colagens e foi um dos fundadores do Santiago Jazz Club.

Luis Sergio Cáceres Toro nasceu em 18 de abril de 1923 e era filho de um alfaiate de sucesso e de uma dona de casa, falecida quando ele ainda era criança. Iniciou seus estudos no colégio Luis Campino, para depois passar para o Internato Nacional Barros Arana, onde conheceu Gonzalo Rojas, Nicanor Parra, Jorge Millas e o aluno Luis Oyarzún. Junto com este, começou a ler autores como Federico García Lorca, Arthur Rimbaud, Pablo Neruda e Rafael Alberti, a quem imitou com surpreendente habilidade em poemas que passou a assinar sob o nome de Jorge Cáceres.

Suas preocupações artísticas não condiziam com as exigências da escola e a maior parte do tempo de internato foi gasto entre leituras e apresentações teatrais que realizou com Luis Oyarzún e outros colegas. Até que decidiu abandonar os estudos e se dedicar à arte. Em 1937 conheceu pessoalmente Pablo Neruda, que o acolheu em seu círculo, surpreso com seu talento. No entanto, em meados do ano seguinte, Cáceres se juntou ao grupo surrealista chileno Mandrágora, formado pelos poetas Teófilo Cid, Enrique Gómez-Correa e Braulio Arenas, que, entre outras coisas, se caracterizavam por sua radical oposição e antipatia por Neruda.

Paralelamente às suas atividades como criador surrealista, por volta de 1941 Cáceres se aproximou do mundo da dança, que girava em torno da Escola de Dança da Universidade do Chile. Lá começou como bailarino profissional e participou de importantes apresentações como segundo bailarino no balé de Ernst Uthoff.

Em 1948 viajou para a Europa para aprimorar sua técnica e estudar dança sob a direção da professora russa Preobraienska. Ao retornar, participou de inúmeras apresentações, até a manhã de 21 de setembro de 1949, quando foi encontrado morto na banheira, em circunstâncias desconhecidas e nunca totalmente esclarecidas. A autópsia estabeleceu que envenenamento por gás foi a causa da morte. Sua morte precoce e inesperada causou profunda comoção no meio artístico chileno, no qual sua irreprimível criatividade deixou marcas profundas.

Memoria Chilena | Biblioteca Nacional de Chile


LONGA VIDA

Uma fogueira e o topo na folhagem que se debate
Um guarda-sol de coral que se desprende e queima
E a mendiga que eu maldigo é ela mesma
Apenas mais livre
Próxima de uma cerejeira que se balança na grama
Junto a nós sob a hora deste teto
Uma longa linha negra sobre os lagos de ágata
Atravessa um circuito de cristal
Como uma nadadora
No recinto que deixa em paz agora mesmo
E afinal é só rir de um acaso sem pé nem cabeça
De uma cariátide com cabeça de cão
Sob o mesmo teto onde o piso é um arado.

Quando eu beijarei teus lábios de carvão
Para isso sopras a água desta copa
Uma gota em tempestade
Que soa como uma arma na hora que passa
Como uma mancha de inveja no marco do teto
Um desconhecido que joga com palavras
No mesmo ponto branco que eu vi girar
Entre dois charcos de abano
Sobre uma pista negra.

O mistério da costa agora se dilui para nós
Eu me maravilho com este muro de granito sobre o farol
E uma ponte de jardins aninha a nova rua que ri
Para quem o amor é mais absurdo que nunca
Para mim se eu sonho sobre um ímã desconhecido
Sobre tua cabeça que joga com as rochas marinhas
Entre a névoa de agosto
Eu a aprisiono eu a amo em um tempo entredito
Para que não seja a única
Que represa a hora inútil.


PALAVRAS PARA RADAR

A Enrique Gómez-Correa

Esta manhã as luzes que sobem dos arrebóis mais negros
Como um olhar cambaleante do cervo no incêndio de gardênias e o sopro de ar puro nas costas nuas é mais propício
A escada secreta é de opala de quimeras
Porém da direita surgem a gota de veneno e o laço imantado que são a abolição do amor e a noite escapa porque leva um fardo de plumas de ave do paraíso
E há uma mão sem luva sobre cada porta hermética a luva cai
E do leito dos amantes surgem esses sinais de molinete
Ida e volta e passa o assobio do trem
Porém no fundo das campânulas colocadas sobre as cômodas começam a aparecer o cometa vai cruzar o deserto do México pelo espaço de um minuto
O amor fantasma a passarela imantada
E o castor invernal na garganta de um animal superior
E a múmia de perfumes de palmeira de arminho
De princesa totêmica
Ou o balcão que se abre de improviso no Baile de Imprensa e através do qual penetra um delegado desses homens-leopardos que se deixam ver de vez em quando nas selvas do Congo Belga
A pele às costas e a garra em atitude de ataque
E sobre a fronte o sinal da seita
Porém nos espelhos começam a aparecer manchas negras
E nos frascos dos licores alinhados segundo a dissolução do bismuto começa a tarefa do alambique
Na metade do Salão os perfumes tomam corpo de mulher ruiva
Ida e volta e agora o branco do olho é violeta
Como o leão heráldico na superfície da turquesa polida em pleno Brasil
Brasil aqui em letras douradas
Na borda das cataratas há um broche de cílios torcidos quatro vezes por estar quatro vezes virado para a saída da lua
E na noite estão as quatro janelas acesas de uma casa em pleno bosque
O Baile à memória do Marquês de Sade.


UM GUARDA-SOL

A André Breton

Em um fundo de diamante um guarda-sol é um fogo a mais sobre as costas
Eu o havia visto virar quando escrevia “Recitação” em 1937
E não sabia que o eixo da janela
O sol joga com o murmúrio do sangue
Então eu começava a ler L‘Amour Fou
Porém antes eu já podia caminhar descalço
Sobre uma tela vermelha pelo bosque que arde
Sem amá-la ainda eu debilitada meu amor nesse tapete
E contra meu rosto soprava o estranho bater
Quando caminhava na ponta de meus pés
Pelas margens de um anel de palha tecida
Um anel de palha tecida
Então começava a viagem de cada estação porém amanhecia prisioneiro de um desejo
Desconhecia a mim mesmo sem negá-lo no centro do bosque
Na câmara sombria no gume de uma rocha
E os calhaus que adornam os muros
Pendem de um centro móvel que oscilava
Pelo encanto do eco sem saída
Que gira.


CADEIRA ELÉTRICA

A Enrique Rosenblatt

Com efeito o mobiliado não é mais que uma gota de lacre de uma meia de mulher
Uma rua cujo nome não é mais conhecido que um quadro cuja moldura tem a forma de um cinzeiro
Batendo sob algumas alusões que prosperam
Em um campo de guardanapos bem dobrados em seus anéis de salsa
Formando assim a resposta a um enigma qualquer
Na varanda de uma escada de flanela
Cujo perfume perdura na copa dos castanheiros de sangue infantil
Pelo espaço de um dia eles batem a primeira comunhão
Folhas sem nome sobre a grama que morre de frio
Esta tarde à beira das estufas o presente indicativo sangrou
Batido em duelo ele viu em pleno século XX uma mulher com espáduas de castor
Com ombros de hoje jazz
Sob a névoa os lobos estão muito bem
As copas se dissolveram no champanhe dominical
Quando a misteriosa se deteve um instante sob a Via Láctea
Ela constrói os grandes dias.


DOUANIER ROUSSEAU

A Aimé Cesaire

Sol explosivo do meio-dia sobre os rebanhos de lança-chamas acende as gargantas sem defesa
Os olhos de sol sem defesa de relâmpagos sob as armadilhas de esquilos
Sob as chuvas consecutivas de cipós nas eclusas palpitantes na defesa das tatuagens
Dos cabelos de bumerangue das mãos dos mosquitos
Uma brisa emboscada arrasta plumas de corvo
Na entrada do leão um rugido de tapeçaria
E a noite será mais curta ao redor do fogo.
Tribo sem nome.

Nos grandes poços de pólen de bambu de pelúcia
Nos tesouros carcomidos de papoulas vorazes
Nos reflexos bamboleantes de figueiras
Na garganta do camaleão
E a espádua dos dilúvios de eucaliptos três vezes calcinados.

Tribo sem nome
Sobre os passos do javali
A surpresa das chinchilas nas lufadas de centelhas
Das crateras de podridões que o vento desdobra em voo de papagaio
Na noite das selvas que cheiram bem
O raio se precipita no copo branco com retoques vermelhos onde o búfalo bebe
No sonho dos jacarés de um só golpe.

Tribo sem nome
De olhares de cometas no fundo do deserto
Respirando afanada em seu amor próprio
Para cada seio que se excita há uma flecha envenenada
E uma cabeça adornada com argolas de píton
E pérolas totêmicas
Até a última dimensão do olhar de pantera
Sem justiça
Desdobrando leques negros de pérolas vagas na praia que se evapora tribo sem nome Sem justiça
Para morte.

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