5 Poemas de Sarah Gonzales Añez (Bolívia, 1994)

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Curadoria de Floriano Martins | Tradução de Elys Regina Zils

Sarah Gonzales Añez (1994), de San Ignacio de Velasco (Santa Cruz, Bolívia). É autora da coletânea de poemas “Muralla Rota” (Literatelia, México, 2020) e integrante do coletivo boliviano Trueque Poético. Participou na 1ª, 2ª e 3ª versão do Festival Internacional de Poesia Jovem “Jauría de Palabras” (2019, 2020 e 2021). Seus poemas fazem parte das publicações coletivas “Segundo Sol” (Literatelia, México, 2021), “Umbral de Palabras” (Paracas, Ica-Peru, 2020), “Cruzando Palabras” (Ángeles del Papel Ediciones, Peru, 2019). Foi incluída no ” Abecedario de poetas hispanohablantes nacidos a partir de 1990″, (Revista Telúrica, Colômbia, 2021).


VELHICE

A casa completa 80 anos
e se veste de festa.
Em suas paredes de barro
ostenta suas rachaduras.

No telhado, o chapéu com asinhas.
Nas suas vigas se aninham os cabelos grisalhos.

Um anel circunda o jardim,
onde não há grama,
nem animais.
Apenas um poncho de alpaca
com vértices marcados,
tecido de nostalgias.

O pátio está escuro,
as cercas caíram
e a chuva se atreva a aparecer,
um lenço preto dorme no bolso.

A casa completa 80 anos
e ninguém veio visitá-la.


EGO

Mesmo quando digo
que sou uma alma livre,
sou presa da vaidade.

Chegam bandos
de penas pretas e brancas,
minhas palavras alçam voos.

A meia noite,
guias de insônia,
suas asas em meus ouvidos,
borboletam!

Não me pertencem
nem mesmo esses versos,
que se vão se os invoco.

Sou outra mulher
quando vou dormir
nas noites.

Também vem o medo
sussurra no meu ouvido.
O conheço,
sorrio para ele.

A palavra me fez ninho.


EU CONFESSO

Todos os dias
enrolo meia hora no escritório.
Quando o relógio bate perto das quatro
o tempo se arrasta com o estômago cheio.
Meus cílios curtos se fecham,
não alcançam o ponteiro dos minutos que com parcimônia
monta um desfile de segundos invariáveis.
apenas três minutos atrás
estava me perguntando que horas seriam
quando eu sabia que horas eram.
Ponteiros que olham sob a janela,
espiam nas fendas dos chefes
repletos de tons graves.
Vaivém de correios, o ar sopra mais forte.
Está esfregado o teto porque uma lâmpada queimou
e os tetos sem foco não acendem,
teremos que trocar o teto por uma lâmpada
e mudar, enquanto isso as cadeiras,
subir nas mesas
trepar na madeira
É proibido fumar.
Lá fora há um sol esplêndido.
Se paga o preço,
a tarde se esconde.


MARGEM

Los olvidados abrem sepulturas,
lá enterram todos os seus mortos.
Não há para quem contar tristezas no inferno,
cai a noite, se ausenta a lua.

Se ninguém nunca notar sua ausência,
se aparecerem, são fantasmas indesejados.
Quem se lembra deles? Alguém reza por eles?
Quem conforta los olvidados?

A fome aperta, coloquem correntes,
a nudez dos ossos é um anúncio.
Nascem mudos, engolem ladainhas,
caminho, chicote, tropeço e choro.

Confinados a marcas sem alma,
por nomes, números foram destinados.
Quando estenderam as mãos abertas,
não deram pão a los olvidados.


ANGÉLICA

O coração da minha avó
está guardado
em um pote de óleo de babaçu.

Quando ela cuida de nós
destampa o amor,
impregna suas mãos
e nós esquecemos
que a alma dói.

Seu quarto é uma vitrine
com piso de jornais amarelados.
As janelas
perderam amanheceres
e no umbral da sua porta
se despediram dois filhos.

A cama está feita
de retalhos.
Cada tecido, uma vida
e criação com assados.

Naftalina por seus anos.
Cânfora para seus passos.

Minha avó fica entre os arbustos,
supera as goteiras de seu telhado podre.
Não vamos varrer seu cabelo no chão,
nem estragaremos seus potes vazios.
Estamos só de passagem.

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