6 Poemas de Juan José Ceselli (Argentina, 1909-1982)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Juan José Ceselli nasceu em Buenos Aires em 1909. Em meados dos anos 1950 começou a publicar sua obra. Nessa época fez contato com os escritores surrealistas argentinos, Aldo Pellegrini, Francisco Madariaga, Carlos Latorre e Enrique Molina. Em 1957 abandonou abruptamente as suas atividades comerciais e decidiu estabelecer-se na França. Viveu em Paris por 10 anos e se associou aos membros fundadores do grupo surrealista. Publicou os seguintes livros de poesia: La otra cara de la luna (1953), Los poderes melancólicos (1955), De los mitos celestes y de fuego (1955), La sirena violada (1957), Violín María (1961), El paraíso desenterrado (1966), Misa tanguera (1975) y La Selva 4040 (1977). Traduziu Palavras, de Jacques Prévert, para o espanhol em versões acordadas com o autor. Preparou a antologia Poesia Argentina de Vanguarda: Surrealismo e Invencionismo (1964).


REFAZER A DEMÊNCIA

Como saber o que sei?

Instintivamente
De alguma parte retém o esplendor da carne que o aprisiona
No entanto ninguém pode transpor seu umbral
Violar sua loja seus selos ou apoderar-se de si mesmo
Vai para dentro da saída mas é inútil

Há que refazer a demência
Há que destroçar os armazéns ferventes dos diamantes tíbios e indolentes
Pôr abaixo a porta dos céus
As frescas esteiras dos ossos
As frescas esteiras das sestas
Esteiras de ventres com franjas açucaradas
Como armadilhas que amadurecem e se esquartejam debaixo da pele
Armadilhas que ele mira e nas quais tenta as núpcias mágicas
Os festejos selvagens da vidência:
Esses sutis tambores ocultos entre as linhas das mãos

Porém seu jogo insistente lhe escamoteia o movimento-chave de seus movimentos
A derrubada de sua derrubada
Por que então não há de saber o que cheira?
Por que o grande ubre do inferno o transtorna com os segredos do paraíso?
Em sua cabeça lhe atropelam os desejos esquartejados
As manchas de sonolência que vão perfurando as paredes
Dobrando-as
Aproximando-as
Até tornar cada vez menor a cavidade de seu crânio
Há uma saudação grave
E não sabe por que saúda nem por que é grave
Não sabe que não está e que ri às suas costas
E quer habitar sua boca
Destapar os vasos de vidro onde se conservam as relações familiares
Abrir uma escrivaninha sobre as asas de suas próprias borboletas
Derrubar as bibliotecas detrás das quais escondemos os gestos espontâneos


A PORTA PELUDA

Raio silvestre
Procuro meu imperador secreto
Essa turva crisálida que sonha com as formas invisíveis do universo
Com seus meteoros musicais
E esses presságios desesperados que relampagueiam entre teus cabelos quando os penteias ao sol

As paredes de meu quarto se contraem quando me acaricias e uma mulher de âmbar
Com as mãos pálidas sobre sua desnuda candura
Tem teus olhos como quando te vi pela primeira vez
Compreendo que por esse caminho
As órbitas ardentes da vida me enviam sua mensagem
Com paciência armo uma armadilha entre meus gestos
As estrelas escondem seus horóscopos e procuro essas masmorras onde vemos os corpos levitados pelo piscar dos diamantes do desejo

Recordo quando sentada entre duas cadeiras me mostraste uma longa sombra
Havia chamas e pequenas flores celestes
Guardavam um segredo entre o tam-tam frenético:
Os instintos fugindo entre as pradarias

Mais tarde eu recordava minha vida
Que é uma história feita para esconder minha verdade


A PELE ERIÇADA DOS DESEJOS

Esta manhã lhe nasceu uma longa cicatriz de barro
Era como o desejo que as mulheres levam maduro entre os lábios
Quando constroem essas pequenas panelas de fogo transparente
Dentro das quais é possível ver como sofrem e queimam as carícias de seus amantes

Reduzo então ao máximo suas ânsias
Ao longo de seus sentidos se distribuía uma longa espera
Acompanhando a manhã que surgia com sua coroa de espelhos
E os rios nascendo entre as mãos dos eleitos

Nas paredes começaram a crescer as profecias cujos passos deixavam a descoberto um caminho de relâmpagos
E o quarto acabou amordaçado
Enquanto os lençóis cresciam e cresciam sem cessar.


VIOLINO MARIA

De noite
enquanto as aves constroem dentro de suas chinelas os ninhos da intimidade
direi a meu escravo que relate minhas façanhas
E quando pelos cantos se amontoem as breves alegrias dos arrebatamentos
e caia sobre nós o incessante moinho da borrasca
sobre meu ombro reclinar-se-á com o cálido peso de suas asas em chamas
as curvas de seus tornozelos revelarão a nova geometria da beleza
E cravando em minhas carnes um a um os sombrios mistérios da cabala
acariciando meus gemidos com o fio ondulado da voluptuosidade
fará com que eu me sinta tão pequeno
que só poderei amá-la aos pedacinhos


A ARANHA DESNUDA

Das sete teorias sobre o perfeito
a primeira é a mais difícil de sobrelevar:
apertar as mãos entre desconhecidos
Sentir sem fadiga o itinerário de um boneco que
reparte profecias
O vaivém das balanças que são usadas para
prometer e não cumprir

Sempre haverá uma tolerância especial para estes
seres ternamente pecadores
Pela forma elegante de jogar sua última estrela
de escamotear os cinzeiros
ou fazer correr o sangue enquanto bebem
gentilmente uma xícara de chá

Condenados por seus equivocados vaticínios
são os que devem esperar os dias amáveis de festa
para arrancar os próprios dedos


DÉCIMA PRIMEIRA REVELAÇÃO DA 29ª CERIMÔNIA

Eu sempre recordarei tuas pernas
ainda mais longas que meus desejos
a fascinação de tuas olheiras depravadas
a voluptuosidade de apoiar minha navalha
sobre teus seios

livres do tempo
donos da liberdade suprema
teus cabelos invadiam os muros
músicas distantes deitavam raízes entre nós
a humanidade toda se emocionava

teu rosto expressava uma mortal lascívia
de tua boca gotejavam desertos ferventes
e as moscas devoravam teus olhos vítreos
e as minhas ao te acariciar
sangravam

eu sempre recordarei a fogueira de tuas pernas
e a imensa planície de teu ventre
aberto vorazmente
até o horizonte

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