3 Poemas de Maria Eugenia Ramos (Honduras, 1959)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

[Sobre as mulheres na literatura] É um reflexo da própria sociedade, porque isso acontece em todos os espaços e é como uma luta permanente. Felizmente, muito progresso foi feito, digamos que no cenário internacional haja um novo boom que é fundamentalmente feminino nos países do Cone Sul, que tem uma grande ressonância. São grandes escritoras, são mulheres maravilhosas, muito acessíveis, muito generosas. Em Honduras voltamos à mesma coisa, esse país com esse nome de abismo, às vezes acho que as pessoas têm razão quando consideram que de repente o nome do país nos marcou, o mais marginal possível dentro do marginal.

Obviamente isso se reflete na literatura, não há muito desenvolvimento. Fico feliz em ver que há muitas mulheres que estão escrevendo, que estão abrindo caminhos por diferentes rotas, porque se não abrem espaço para elas nos ambientes tradicionais, elas criam seus espaços, isso é muito positivo. Acho que fizemos progressos.

O que é preciso, em geral para a literatura hondurenha, é mais trabalho, não temos uma verdadeira crítica literária no país, o que existe, por exemplo, se gosto de alguém a nível pessoal, direi que o trabalho deles é maravilhoso, não vou encontrar nenhuma falha nisso. E vice-versa, se eu não gostar de alguém, só vou olhar para os defeitos da obra e não vou reconhecer o quanto ela pode ser boa, que nos atinge em geral.

No caso das mulheres, existe muita discriminação. Quando publiquei meu livro de poesia em 1989 também fazia parte da diretoria da então Associação de Escritores de Honduras, agora, lembrando, percebo que era um espaço machista, na época não percebia, há coisas que não são percebidas, mas à medida que se avança e se vai adquirindo mais experiência, que se cresce em muitos aspectos da vida, é possível ver aqueles ambientes terríveis e deixar de frequentar determinados espaços.

MARIA ENGENIA RAMOS
Fragmento de uma entrevista concedida a Fernando Destephen.


AUSÊNCIA

Alguém foi embora
e deixou todos os cadernos
abertos na página 21,
servidos os cafés
e os feijões
na mesa,
aquecida
a cama ainda por fazer,
o cão
esperando sua ração,
um encontro de amor
secando na janela,
e no vazio dos guarda-roupas
o cheiro dos sonhos.


RISCO

Assumir a ternura
como dever histórico
é igual a retornar de uma longa viagem
olhar tudo
conferir a temperatura
da carne e da alma
identificar o esquecimento
com a morte
e decidir ficar
ficar
ficar
e transformar
o coração vagabundo
torná-lo sólido
criador legítimo de estrelas
mesmo que se espatife ao tentar


PORTO OCUPADO

Qualquer pergunta
resvala sem remédio
nas pupilas deste cego
indiferente
que é o mar.

As esperanças desprezadas
como inúteis
se amontoam na praia
debaixo de papelões e garrafas vazias.

A gente dorme seis dias na semana
e desperta no sétimo
quando uma fragata de guerra
descarrega açúcar e sorrisos
estrangeiros.

Sob os cimentos das prisões
os ossos dos traídos
correm lentamente
para as ruas consumidas pelo sol.

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