3 Poemas de Nadia Anjuman (Afeganistão, 1980-2005)

| |

Apresentação e tradução de Floriano Martins

É muito estranha, porém não incomum, a realidade de um mundo que despreza a poesia. Os personagens que afloram de suas múltiplas perspectivas dão conta de uma essência sem a qual o homem decerto ainda viveria, porém capturado por uma deformidade do ser, por uma tirania do terror. A história humana tem convivido com essas duas realidades e os resultados são bem conhecidos. Desconheço se uma delas em isolado desgarraria o homem de si mesmo e o conduziria por outra forma de reconhecimento e prática existencial. A velha peleja entre o bem e o mal parece impossível de ser erradicada. Por mais que o desejemos, a história das civilizações sempre esteve definida por essas duas lâminas empenhadas em dissipar os limites entre vida e morte. O dilema ou desafio se encontra nas mãos de um equilíbrio nem sempre alcançado, ou quando muito alcançando apenas temporariamente, como um sopro inspirador do destino. A brutalidade sofrida pela poeta Nadia Anjuman (Afeganistão, 1980-2005) é um alerta, ao mesmo tempo que a prova de que estamos bem distantes desse equilíbrio. Sua breve vida foi marcada por insurgências silenciosas, pelo secreto exercício de resistência, em meio à fúria fundamentalista do regime talibã. Contudo, seus cuidados estratégicos foram insuficientes, embora tenham deixado o registro de poemas marcados por uma forte sensibilidade, onde até mesmo a forçada leitura do Alcorão a seus olhos ocultavam algumas pedras valiosas. Tivesse lido a Bíblia, outra versão de livros religiosos repletos de violência contra a mulher, certamente ali também encontraria alguns oásis. Pois a sua percepção do mundo, como um milagre, sempre esteve além de toda violência sofrida. Assassinada pelo próprio marido, aos 25 anos, não digo que seus poemas resistirão ao tempo, pois a memória humana é franqueada por golpes de circunstâncias, mas será bom lê-los e comprovar que até mesmo a violência pode gerar doçura.


HISTÓRIAS TRÁGICAS

Oh histórias trágicas
Encontraram uma morada em nossos corações.
Esses olhos tristes, essas bochechas fundas e amarelas
São as marcas sombrias de tua presença
Oh galhos da dor
Cem primaveras e outonos indo e vindo
Brotos murchos com corações dilacerados
Cem bloqueios e cem caravanas passam
O Faraó morre e a história de Nimrod termina
Ainda que estejas jovem e fresco
Recém saído do útero do jardim

Oh miséria ardente
Deixe a expansão de nossos corações
Não são as únicas coisas pelas quais vale a pena queimar
Por uma única vez, passe na casa de outro

Oh histórias trágicas
Sua companhia nos oprime
Se não buscam uma nova casa, devem ter cuidado
Amanhã vamos deixar as tristes ruínas da vida
E vocês ficarão miseráveis e descobertas
No limbo do tempo
Sem qualquer morada


UM PRANTO SURDO

O som dos verdes rastros está na chuva
Chega até nós desde a estrada
Almas sedentas e saias empoeiradas chegaram do deserto
Seu hálito ardente e a miragem-fundida
De suas bocas secas e cobertas de pó
Nos chegam, agora, desde a estrada
Seus corpos atormentados, meninas criadas na dor
A alegria longe de seus rostos
Corações velhos e repletos de rachaduras
Não surgem sorrisos nos oceanos inóspitos de seus lábios
Nem uma lágrima brota do seco canal de seus olhos
Oh, Deus!
Poderia ignorar se seus gritos surdos que saltaram do céu,
Alcançam as nuvens?
O som dos verdes rastros permanece na chuva


MEMÓRIAS DE LEVE TRISTEZA

Oh exilados da montanha do esquecimento!
Oh joia de seus nomes, dormindo na lama do silêncio
Oh memórias destruídas, memórias de leve tristeza
Na mente turva de uma onda no mar do esquecimento
Onde está o transparente, a corrente que flui de teus pensamentos?
Que mão ladrona saqueou a estátua de ouro puro de teus sonhos?
Nesta tempestade que origina a opressão
Para onde foi teu barco, tua serena lua prateada do barco?
Depois desse frio cortante que dá à luz a morte –
O mar deveria desprender a calma
Deveria a nuvem libertar o coração nodoso de tristezas
Deveria a donzela da lua nos brindar o amor, ofertar um sorriso
Deveria a montanha adoçar seu coração, adornar-se de verde,
Tornar-se frutífera –
Qual de teus nomes, na altura do topo,
Se torna brilhante como o sol?
O amanhecer de tuas memórias
Memórias de leve tristeza
Nos olhos dos peixes cansados pelas inundações e
Temerosos da chuva da opressão,
A esperança é refletida?
Oh exilados da montanha do esquecimento!

4 comentários em “3 Poemas de Nadia Anjuman (Afeganistão, 1980-2005)”

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!