3 Poemas de Alaíde Foppa (Guatemala, 1914-1980)

| | ,

Curadoria e tradução de Floriano Martins

Alaíde Foppa escreve de forma extremamente íntima e lírica, fala, e isso parece fundamental, de temas que não se falava muito em sua época: a maternidade e especificamente uma relação ambígua, ambivalente, com a maternidade, acho que era muito avançada na época questionar e falar sobre o escuro reverso da maternidade, de uma relação também atravessada pelo conflito de amor aos filhos; no entanto, embora poucos de seus poemas abordem diretamente seus interesses políticos e feministas, o próprio fato de ela ter escrito do ponto de vista de uma mulher na época em que viveu é um ato feminista e está carregado de um valor político e social.

ELISA DÍAZ CASTELO


A literatura foi a espinha dorsal de sua formação, conhecimento e interesse acadêmico. Estudou e se formou na Europa, principalmente na Bélgica e na Itália, onde seu pai, Tito Livio Foppa, havia sido diplomata. Escreveu seus primeiros poemas em italiano e há certa sonoridade da língua italiana em alguns de seus poemas em espanhol.

Lembro-me de minha mãe escrevendo ou correndo para chegar a algum lugar onde tivesse que gravar um programa de rádio, dar uma aula ou enviar um artigo de crítico de arte para um suplemento cultural. Lembro-me também que em algum momento ela sentiu que as mulheres mereciam um espaço de estudo nas ciências sociais, diferente da forma horizontal como a sociedade era classificada, razão pela qual criou a cadeira de sociologia da mulher na Faculdade de Ciências Políticas da UNAM que, pelo que sei, foi a primeira do mundo.

[…]
O maior período produtivo de Alaíde Foppa foi durante seu exílio no México; a UNAM foi o espaço onde mais conseguiu escoar a sua produção. Sua outra casa, em sua produção intelectual, foi a revista Fem, onde trabalhou junto com amigas e colegas que abordaram as questões femininas e seus desafios sob diferentes perspectivas. Lá ela também exerceu uma liderança muito importante, segundo recordam e reconhecem seus colegas da época.

JULIO SOLÓRZANO FOPPA


ELA E A FORTUNA

Acaso é a flor
que se desfolha em sua mão,
o pássaro que foge
pela janela aberta,
o vento
que de repente infla suas velas,
porém sendo vento
ele passa e voa.
Ah a Fortuna
é para ela
o resplendor fugitivo
de uma manhã de sol,
de uma hora,
de um arco-íris
trêmulo e evanescente
que se estende
sobre um abismo deslumbrado…
A Fortuna é o que não se tem,
e é tão perfeita
tão rica e esplêndida
a sua imagem,
que empobrece
as pequenas alegrias
de todos os dias:
os frutos de sua horta
onde não crescem
laranjas de ouro,
as rosas
de seu modesto jardim,
que logo murcham,
o timbre claro das vozes
que por vezes estão próximas,
e até mesmo o riso
que se apaga em seus lábios
dissipado
por um invisível sopro.


UM DIA

Este céu nublado
de tempestade oculta
e chuva pressentida
me pesa;
este ar denso e quieto.
Que sequer move
a folha leve
do jasmim florescido,
me afoga
esta espera
de algo que não chega
me cansa.
Quisera estar longe,
onde ninguém
me conhecesse:
nova como a relva fresca,
suave,
sem o peso
dos dias mortos
e libre
ir por caminhos ignorados
até um céu aberto.


DESTERRO

A minha vida
é um desterro sem retorno.
Não teve casa
minha errante infância perdida,
não tem terra
meu desterro.
A minha vida navegou
em barco de nostalgia.
Vivi à margem do mar
olhando o horizonte:
tornava minha casa ignorada
um dia pensava em zarpar,
e a pressentida viagem
me deixou em outro porto de partida.
É o amor, acaso,
o meu último cais?
Oh braços que me fizeram prisioneira,
sem me dar abrigo…
Também quis escapar
do cruel abraço.
Oh braços fugitivos,
que em vão buscaram minhas mãos…
Incessante fuga
e anseio incessante
o amor não é porto seguro.
Já não há terra prometida
para a minha esperança.

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!