3 Poemas de Luis Cardoza Y Aragón (Guatemala, 1901-1992)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

O poeta guatemalteco Luis Cardoza y Aragón (1901-1992) sem dúvida representa um dos mais importantes escritores centro-americanos e hispano-americanos do século XX, e isso não é um lugar-comum, muito menos uma afirmação pejorativamente retórica. A obra de Cardoza y Aragón fará parte do que conhecemos como modernidade literária; aquele conjunto de autores abertos a novas experiências poéticas, arquitetos incansáveis no esforço de romper com as formas convencionais de expressão da outra realidade, aquela que está por trás das coisas, o indizível. A verdade que a arte mostra, carregada de sensibilidade, bem como de particular intelecção; e, no caso afortunado para Cardoza e para nós, a poesia.

Mas não é só isso, Cardoza continuará a se reinventar além de seu início surreal. Seu discurso será aperfeiçoado com a integração de outras ordens temáticas (radicais, algumas, no tocante à sua procedência, étnica e cultural; metafísicas, outras, quanto às interrogações universais); e na busca incessante dessa dimensão infinita de construção formal que o surrealismo sempre lhe sugeriu.

ÁLVARO DARIO LARA


ESPELHO

A minha sombra
morta
me nomeia
para que regresse.

Surgido no espelho
nomeio a minha sombra,
minha sombra se assombra
por não ser meu eco.

Quando se viu no espelho
tão distinta era de mim
que não me reconheci
e não sei se estou morto.

Quando a vi no espelho
tão parecida comigo era
que não a reconheci.


AH!

Que labirinto
reto
de sol
central!

Em meu
telefone
vermelho
me chamava.

Levava
uma flor
na
mão
para
conhecer-me
a mim mesmo.

Indagava
por mim
nas
docas
onde
não estava.

Que indecifrável
labirinto
de vinho
mítico!

sonhando
me via
caminhar
desperto.
Sonhando
me via
caminhar
sonhando.

Para
chegar
a tempo
a parte
alguma,
apresso
o passo.

Para que
te buscar?
Tu me
encontras,
noite,
leoa
negra.

O presente
é
cego
sagitário.

O futuro
é
sempre
lendário.

O passado
é
sol
imaginário.

Que extravagante
labirinto
eu vivi!

Quaquaraquá!


A UM CÃO QUE UIVA

Muito lírica e antiga
brilhava a estrela essa tarde,
com seu suave veneno
e a nobreza evocadora
de suas misericórdias e agonias.

Eu estava triste, como o primeiro homem
que viu o sol morrer.
Como o primeiro homem que o viu renascer,
igual à onde única e sem fim do mar.

E fui me dissolvendo como um novem,
lívido gozo cruel onde o fervor
alimenta sua rubra, amarga levedura,
na condição de brisa destinada às árvores.

De imediato, à vida me chamou
o uivo de um cão.
Elementar, sem saber se queixar,
de pederneiras
e desobedecidos mandatos de silêncio,
era como um anjo disfarçado
tocando as trombetas do Juízo Final.

Como nos dói o céu,
seu frenesi terrestre entre as tristes
goelas sem lábios da triste morte!
Oh noite, mãe dos sonhos,
de que me valem teus fantasmas?

Nem o ouro fiel das fiéis estrelas,
nem os peitos da lenta Esperança,
pois morrerei como vivi,
com fúria e abandono.

Içar todas as velas,
destroçar o compasso e os mapas iludidos.
Seguir o fresco capricho da água!
Não há rumo para ninguém. E tudo é vaidade
sem limites e absoluta demência
nos graves remadores impassíveis.

Agora só o rígido sonho,
certo como o eterno
luzeiro do crepúsculo.

O rígido sonho belo contra o mundo,
para fazê-lo ceder e abrir antes do tempo
as Áureas Portas Definitivas.

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