5 Poemas de Frank O’hara (Estados Unidos, 1926-1966)

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Tradução de Allan Vidigal*

Frank O’ hara, poeta, crítico e dramaturgo estadunidense, que formou o grupo fundador da chamada Escola de Nova Iorque, juntamente com John Ashbery e Kenneth Koch. O objetivo deste grupo era estabelecer um ponto de encontro entre o teatro, pintura, poesia e música, um denominador comum para seus temas e também uma linguagem comum. Foi curador do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque nos anos de 1960, mas abandonou o cargo para dedicar-se integralmente à literatura. Parte da poesia do autor foi publicada em colaboração com artistas visuais e obras suas escritas em verso foram criadas para o teatro, representadas em teatros de vanguarda. Apesar de escrever poesia quase todos os dias de sua vida adulta e de considerar a poesia um território para a diversão dos leitores, sua obra somente se tornou mais popular após a sua morte.


ANIMAIS

Esqueceste-te de como éramos, então,
quando éramos ainda de primeira
e o dia vinha gordo com uma maçã na boca

não adianta se preocupar com o Tempo
mas tínhamos alguns truques na manga
e fizemos várias curvas fechadas

o pasto inteiro nos parecia um banquete
não precisávamos de velocímetro
e fazíamos coquetéis só com gelo e água

eu não desejaria ser mais rápido
ou mais jovem do que hoje se estivesses comigo, Tu
que foste o melhor dos meus dias


DORMINDO EM VOO

Talvez para evitar alguma grande tristeza,
como numa tragédia da Restauração, grita o protagonista “Ó, sono!
É por um sono longo e pesado e pelo esquecimento!”
que se voa, alçado acima da cidade sem mar,
decolando a partir da calçada como uma pomba
quando um carro buzina ou bate uma porta, a porta
dos sonhos, a vida perpetuada em amores furta-cor
e belas mentiras, cada uma em uma língua.
Também o medo distancia, como a calçada, e te vês
sobre o Atlântico. Onde a Espanha? Onde
quem? A Guerra Civil foi travada para libertar os escravos,
não foi? Uma súbita corrente descendente te faz lembrar da gravidade
e de sua posição em relação ao amor humano. Mas
é aqui que vivem os deuses, especulando, entretidos.
Uma vez indefeso, estás livre, crês?
Nunca despertar e ver a triste luta de alguém?
viajar sempre sobre uma vastidão impessoal
estar do lado de fora, sempre, nem dentro de e nem por algo!
Os olhos rolam e dormem como se tocados pelo vento
e as pálpebras tremem entreabertas como asas.
O mundo é um iceberg, tanto dele não se vê!
e foi e é, e ainda assim a forma, também ela talvez
durma. As feições gravadas no gelo de alguém amado
que morreu, és escultor e sonhas com espaços
e velocidade, apenas de mão poderia vir tal obra.
Curiosidade, a mão apaixonada do desejo. Morto,
ou dorme? És veloz o bastante? E, em mergulho,
abres mão de tudo que fizeste teu,
o reino de si navega, tens que despertar
e dar teu sopro quente sobre a imagem amada
esteja morta ou apenas evanescente,
como evanesce o espaço e tua singularidade.


CANÇÃO

Vou para Nova York!
(que farra! que canção!)
onde as telhas de Rocky
beijam o mar. Onde a Acró-
pole funciona, os trens
correm e berram! Os livros
que têm calças e mangas!
Vou para Nova York!
(quel voyage! jamais plus!)
distante de Ypsilanti e Flint!
onde Goodman rege o Império
e a escatologia do Sol
sobre as pontes feiticeiras
e galerias de gravuras!
Vou para Nova York!
(aos amigos! mes semblables!)
Acho que caminho de volta para o Oeste.
Mas por agora fui para sempre!
a cidade enfeitada de holofotes!
a Balsa desabotoa seu colete!


MÚSICA

           Se repousar por um instante junto ao The Equestrian,
pausa para um sanduíche de linguiça de fígado na Mayflower Shoppe,
aquele anho que parece conduzir o cavalo ao Bergdorf’s
e estou nu como uma toalha de mesa, meus nervos zumbem.
Perto do medo da guerra e das estrelas que sumiram.
Só tenho nas mãos 35¢, comer não faz sentido!
e borrifos de água sobre as tigelas de folhas
como os martelos de uma pianola vidro. Se lhe pareço
ter lábios lilases sob a folhagem do mundo,
        preciso apertar o cinto.
Como uma locomotiva em marcha, a estação
        de desconforto e clareza
minha porta está aberta para as noitinhas de neve
de meados do inverno caindo leve sobre os jornais.
Agarre-me em teu lenço como uma lágrima, trompete
do começo da tarde! no outono enevoado.
Enquanto montam árvores de Natal na Park Avenue
verei meus devaneios passar por mim com cães agasalhados,
dar-lhes utilidade antes que as luzes coloridas acendam!
         Nada mais de fontes, nada mais de chuva,
         e as lojas ficam abertas até tarde demais.


UM PASSO ATRÁS

Quando a música está distante
a pálpebra raras vezes se move

e os objetos são estáticos como a alfazema
sem respiração ou réplica remota.

A nuvem, então, é tão sutilmente levada
embora pela máquina prateada de voar

que o mero eco dessa ideia soa
inacreditável; o ruído do motor cai

como uma moeda no leito do mar
e o olho não se altera

como quando no sol agudo uma moeda
se ergue e arranha o ar que a cerca. Agora,

lentamente, o coração respira música
e as moedas jazem sobre a areia amarela.


ALLAN VIDIGAL (Brasil, 1971). Poeta, editor e tradutor. Possui mais de 20 livros de história empresarial publicados, incluindo algumas das maiores corporações do Brasil. Parou de contar livros traduzidos depois de chegar a cem em temas diversos que vão das Artes à Zoologia, passando pela Ciência da Computação, Design, Economia e assim por diante. Tem traduzido com frequência para a Agulha Revista de Cultura e projetos isolados de Floriano Martins.

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