6 Poemas de Paul Éluard (França, 1895-1952)

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Poemas traduzidos por Floriano Martins.

Este imenso poeta teve uma relação acidentada no interior do Surrealismo, em grande parte provocada por suas opções políticas. Porém é inegável que seja uma das maiores expressões poéticas do movimento. Seu lirismo de alta voltagem era fruto de uma paixão transbordante, refletida em livros refinados como L’Amoureuse (1923), Mourir de ne pas mourir (1924), Capitale de la douleur (1926) e L’Amour la poésie (1929), sem esquecer uma de suas colaborações com André Breton, L’Immaculate Concéption (1930).

Obras consultadas: Ralentir travaux (Paris: Editions Surréalistes, 1930) e Oeuvres complètes 1913-1945, vol. I (Paris: Gallimard, 1968).


[JAMAIS SONHEI COM NOITE TÃO BELA]

Jamais sonhei com noite tão bela
As mulheres do jardim tratam de beijar-me
Sutiãs do céu, as árvores imóveis
Abraçam fortemente a sombra que as sustenta.

Uma mulher de coração pálido
Guarda a noite em seus vestidos
O amor descobriu a noite
Sobre seus seios impalpáveis.

Como poder gozar de tudo?
Melhor apagar tudo.
O homem da mobilidade total
Do sacrifício total, da conquista total
Dorme. Dorme, dorme, dorme.
Apaga com seus suspiros a noite minúscula, invisível.

Não sofre nem frio ou calor.
Seu prisioneiro se evadiu para dormir
Não está morto, dorme.

Enquanto dormia
Tudo se assombrava,
Jogava ardorosamente,
Olhava,
Ouvia.
Sua última palavra:
“Se voltasse a começar, te encontraria sem buscar”.

Ele dorme, dorme, dorme.
Em vão a aurora ergue a cabeça,
Ele dorme.


O ESPELHO DE UM MOMENTO

Dissipa o dia,
Mostra aos homens as imagens desligadas da aparência,
Retira dos homens a possibilidade de que se distraiam,
É duro como a pedra,
A pedra informe,
A pedra do movimento e da vista,
E tem tal resplendor que todas as armaduras e todas as máscaras são falseadas.
O que a mão tomou nem ao menos se digna a tomar forma da mão,
O que foi compreendido já não existe,
O pássaro se confundiu com o vento,
O céu com sua verdade,
O homem com sua realidade.


SOB PALAVRAS

Há chamas
Mais vistosas do que as mãos que fazem girar os pesadelos
Sobre a memória

Ao sol chegamos por encantamento
O amor tem um acentuado sabor de vidro
É o coral que surge do mar
É o perfume desaparecido que retorna ao bosque
É a transparência que paga sua dívida
É sempre essa cabeça
De lábios deliciosamente entreabertos
Deste lado do muro
E do outro lado talvez na ponta de uma


A NECESSIDADE

Sem grandes cerimônias em terra
Junto àqueles que conservam o equilíbrio
Nessa desventura do repouso total
Muito próxima do bom caminho
No pó da seriedade
Estabeleço conexões entre o homem e a mulher
Entre as pistoleiras do sol e o surrão do vagabundo
Entre as grutas encantadas e o alaúde
Entre as olheiras e o riso acossado
Entre a avezinha heráldica e a estrela do alho
Entre a sonda e o rumor do vento
Entre a fonte das formigas e o cultivo das framboesas
Entre a ferradura e a ponta dos dedos
Entre a calcedônia e o inverno pungente
Entre as pupilas do arbusto e o mimetismo comprovado
Entre a carótida e o espectro do sal
Entre a araucária e uma cabeça de anão
Entre os trilhos nos cruzamentos e a pomba avermelhada
Entre o homem e a mulher
Entre minha solidão e tu


SER

Com a fronte como uma bandeira perdida
Eu te arrasto quando estou só
Por ruas geladas
Por quartos negros
Proclamando infortúnios

Não quero abandonar
Tuas mãos claras e complicadas
Nascidas no encerrado espelho das minhas

Todo o mais é perfeito
Tudo o mais é ainda mais inútil
Do que a vida

Escava a terra sob tua sombra

Um tanque junto aos seios
Onde afundar
Como uma pedra


A ÚLTIMA CARTA

A Roland Penrose

I

A suavidade do clima marinho
Do ruivo cabelo em um bote
E o fundo que se ergue
Que se estremece na beira da água
Mostrando-me uma mulher
De mares longínquos
Finalmente inútil
E a escondo bem longe
E estou de pé para enfrentar o frio

II

Na noite é possível
Abater meus sonhos
Capital
Meu minuto capital
Superei as cores da falsidade
Meu feminino capital
Nas fronteiras do corpo humano
Aceito o perigo de estar apaixonado
E vivo

III

Estou encalhado, estou mudo
Estou como peixe na água
Tenho como triunfo o ás de beijos
No jogo dos ladrões
Tenho na mão a nudez das ondas
Dentro e fora de meu bote
Para operar a dupla união
Do mundo íntimo com o mundo público
Nas redes da aventura
Da vida desordenada
Sou muito amável
E o bem obstinado guardião do fogo leve
O reflexo de um corpo nu e próximo acalma a maré
A ruiva estação é favorável à minha despreocupação
Teu ruivo cabelo me abre a nave de teu corpo

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