7 Poemas de Maurice Blanchard (França, 1890-1960)

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Tradução de Floriano Martins.

O poeta Maurice Blanchard (França, 1890-1960) foi também engenheiro aeronáutico, além de piloto do esquadrão de Dunkerque durante a Primeira Guerra Mundial. Sua paixão pela física e a filosofia lhe deram um conhecimento fascinante adquirido de forma autodidata, o que o levou também a aprender latim, grego antigo, italiano e inglês, este último idioma em face de sua paixão por Shakespeare. Sua aproximação do Surrealismo se deu graças a poemas que leu de Paul Éluard, que acabaria conhecendo e o tinha na condição de parceiro. Logo foi a vez de conhecer René Char. Blanchard, que publicou livros como Solicité de la chair (1935), Les barricades mystérieuses (1937), Les pelouses fendues d’Aphrodite (1942) e Le pain la lumière (1955), possuía uma natureza bastante reservada. Segundo ele, “a poesia é propriedade da matéria”, de modo que poesia e vida estão intimamente ligadas.


A ENORME BELEZA QUE VIRÁ

Os grandes órgãos da destruição, as tempestades e as ondas do mar eternamente jovem, esta é a entrada triunfal da justiça rompendo em seus castelos na Espanha, construída sobre o vento, sobre a carne e o sangue de criaturas criadas e não criadas.
O verme está no topo da torre, as relíquias de som e luz foram jogadas nas profundezas do abismo; eles estão na lama do pântano entre os sapos mutilados. Essas coisas sujas justificam nossa presença. Eles lutaram, lutaram horrivelmente, cada um em sua soledade negra, intemporal e úmida e aqui estamos diante do nosso trabalho, diante de nós mesmos e não no sétimo dia, mas o único, o imutável, o primeiro dia eterno.


RASGÃO

Após cada colheita, ele queimou as colheitas. Então ele escalou a torrente desolada, a única estrada neste país, o túmulo da paciência. É a vida com os olhos mortos que bate à porta.
O recitador abriu os braços. Um silêncio de neve se instalou nos ombros do passado, esqueleto de cachorro. Na pele da aldeia colapsada estavam as quatro paredes do ódio.
Os assassinos dormiam na praia à espera de novas falências. Insensível às mordidas da Morte, um novo verão estava ardendo na montanha.


NÚPCIAS

Havia uma promessa de casamento entre o vento e a neve. A neve e o vento trocavam seus anéis e o navio, com luvas de geada, entrou lentamente na cerimônia de amor. Ele lentamente entrou na estação de ternura.
A felicidade está imóvel no creme de uma nuvem, é uma luz que congela e quebra. É um arbusto de lírios com cobras roxas escorregando entre o crepúsculo e o mar, deslizando na grama sangrenta do crepúsculo.
O chicote bate e lava a neve do primeiro amor. A refeição da besta termina no sangue das orquídeas.


A SITUAÇÃO-LIMITE

É uma fruta que amadurece devagar, muito devagar.
Tão devagar que a árvore morre antes de seu amadurecimento, mesmo antes de acalmar a sede do viajante exausto. Está longe disso: um raio de sol na água trêmula do arrependimento.
O arquiteto mede a porta, as janelas, a altura das paredes e a inclinação do telhado. Nós honramos o arquiteto, o cumprimentamos quando ele caminha na rua, mede na mão e volta no fundo de suas costas, como todos os outros. Toda noite, um sono bem medido o remove.
Estou assistindo. Meu trabalho precisa do infinito. Sim! Devo, a cada momento, passar pelo infinito para alcançar pequenas coisas incertas e transitórias. É meu trabalho. Boa noite!


LIBERDADE OU MORTE

Como sair de nossas adegas? Rangendo os dentes mimados da sopa que come nossas mãos e nossos rostos! Que a terra da Europa seja cortada como uma barriga de Judas! Aqui nos tornamos as entranhas da sombra.
Ha! Ha! Ha! Que risada nós agitamos quando não temos nada a perder.


DOU UM GOLPE DE ARCO

A memória nasceu de uma paulada. O templo foi profanado pelos que trabalhavam com as mãos, pelos que trabalhavam com os pés. E se fez a manhã, e se fez a noite para os que têm fome, para os que sonham e para os que têm razões do coração.
Eu me ponho a salvo. Tomem como queiram: o milagre está ali, detrás da porta. Depois da guerra veio a guerra e hoje segue a guerra, que é a luta sem quartel dos crocodilos sob a abóbada craniana. Por todas as partes destroçam as imagens de seda e ouro, têm sonhos de bondade, marcham sobre os pássaros. E que silêncio!


OS MÚSICOS DO ESPAÇO

A Lucien Coutaud

Cotovias estridentes se chocam contra um espelho e desde então são frutos que cantam a Aleluia. Suas gargantas transparentes se tornaram pontos negros perdidos no marfim das vértebras. Um grito do vidraceiro as devolveu a sua plumagem de cristal.
Após a última colheita, o homem e a mulher já não se conhecerão. Porém estará de pé. As ferramentas serão finalmente ferramentas; depois dormirão sobre um colchão de palha. A chuva será uma harpa em que nossas mãos desconhecidas beberão.
Um céu em crescimento um dia perdeu sua armadura. Perdeu seu sol. Apenas uma ondulação do inverno fixou seu delírio. Um castelo lançou suas âncoras de pedra para afirmá-lo. Um guerreiro vestido de negro faz soar o corno enquanto contempla a terra.

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