Concisão e Experiência de Vida na Poética de Belén Ojeda (Venezuela, 1961)

| |

Crédito da foto: Joel Aranguren

Por Gladys Mendía, escritora, tradutora e editora na LP5

Belén Ojeda é o segredo mais bem guardado da Venezuela. É por isso que minha intenção é dar visibilidade a uma poesia que considero essencial na literatura hispânica.

A poesia de Belén Ojeda condensa em sua concisão a experiência de vida, fruto de sua observação meticulosa e escrita refinada. Seus livros incluem: Días de solsticio (1995); En el ojo de la cabra (escrito em 1994); Territorios (2000); Graffiti y otros textos (2002). Em 2020, a LP5 Editora publicou Obra Completa (1995-2020), que também inclui dois livros inéditos: Memoria de la luz (2000) e El cuaderno de Colombina (2020). Fragmentos (LP5 Editora, 2023) é seu mais recente livro que inclui diversos géneros literários.

A magnífica obra de Belén Ojeda nos leva em uma jornada através da linguagem poética, epistolar e diarística, expressando a complexa condição humana sem argumentos ou dramas. Encontramos aqui versos sobre impermanência, migração, ritmos da natureza, despersonalização e o elo do silêncio.

Belén Ojeda começou a escrever Días de solsticio quando voltou à Venezuela. Após concluir o ensino médio, ela ganhou uma bolsa para estudar música na União Soviética. Lá, estudou Direção Coral em Moscou por oito anos. Os estudos musicais e o idioma russo a afastaram da poesia em espanhol, ao mesmo tempo que a aproximaram da língua e literatura russas. No coro, cantavam obras com textos de Pushkin, Lérmontov, Fet, Blok, Esenin e outros poetas russos.

Ela retornou à Venezuela em 1987 e, em 1988, ingressou no Taller de Poesía do CELARG, coordenado por Ida Gramcko. A partir de seu retorno, ela se reconectou com sua língua materna e retomou a escrita. Por isso, a publicação de seu primeiro livro aconteceu nos anos 90.

Os textos breves de Días de solsticio concentram a experiência do reencontro com a paisagem e o idioma. Essa busca continuou nos livros En el ojo de la cabra e Territorios. Neste último, paisagem e linguagem são indissociáveis.

Em Graffiti y otros textos, ela estabelece um diálogo com alguns autores e obras usando gêneros que caíram em desuso e pelos quais ela sente nostalgia, como cartas e diários. Nesse período, Belén estava trabalhando também na tradução de Anna Ajmátova, Marina Tsvietaíeva, Ósip Mandelshtam e Borís Pasternak. Pode-se perceber o diálogo com processos políticos, econômicos, relacionais e ambientais. O escritor venezuelano Luis Enrique Belmonte escreve no prefácio a Obra completa: “Assim, caro leitor, neste livro (Graffiti y otros textos (2002)), poderemos ler as confissões do funcionário que condenou ao ostracismo Bulgakov, Ajmátova, Pasternak e Tsvietáieva; de Pávlova dançando no Amazonas, durante a dinastia do látex; do diário de Smilka Milova, escrito em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, entre Zagreb e Belgrado; de uma carta escrita por Hamlet para seu autor; meditações de Bach; trechos do apócrifo “diário de Müller” e outros textos atribuídos a Velázquez ou Goya, por exemplo. Vidas alheias, ausentes, passadas, que retornam de territórios estranhos para habitar a poesia visionária de Belén Ojeda.” (Obra completa: 12)

Belén Ojeda se preocupa com a linguagem e a memória. Daí seu amor por cartas, diários; essa escrita lenta e profundamente existencial. Em uma entrevista que fiz com Belén, ela diz: “O que antes escrevíamos em cartas, hoje é registrado em e-mails e mensagens de texto ou voz, que têm uma breve existência no tempo. A correspondência é um gênero em extinção, enquanto as mensagens fazem parte do discurso ‘líquido’ destinado ao descarte.”

Em seu livro Memoria de la luz, a poesia é inspirada pelos encontros com as escritoras venezuelanas Ida Gramcko e Elizabeth Schön. Na casa desta última, ela conheceu a obra plástica de Elsa Gramcko e de seu marido, Carlos Puche. Aqui, Belén também aponta para sua busca mística e transcendental. Através da imersão e do diálogo com obras pictóricas de grandes mestres da luz na arte plástica contemporânea venezuelana, como Carlos Puche, Elsa Gramcko e Armando Reverón. Eram também dias em que ela frequentemente visitava Macuto (uma praia no litoral venezuelano). Ela gostava de esperar o pôr do sol à beira-mar, observando os barcos e aviões que chegavam ou partiam. Às vezes, ela entrava no Castillete (antiga casa construída pelo artista Armando Reverón). Ela conta que talvez seja por isso que esse pintor venezuelano se fez presente em seus versos.

No processo de escrita, Belén tenta ouvir além do audível, os silêncios que nos conectam ao mundo, as pausas entre os diálogos, a música das conversas profundas que estabelecemos com nosso entorno, o som do significado. Ela é uma observadora aguda e intérprete de sinais e símbolos ao nosso redor. Ela ama intensamente o mundo dos fenômenos e encontra significado em cada um deles, realizando, talvez sem perceber, uma hermenêutica simbólica da realidade.

Indiscutivelmente, a poesia de Ojeda é influenciada pela cultura russa, onde a modernidade não conseguiu eliminar a ligação com a terra e suas atividades. E lá, onde o inverno é longo e as outras estações são curtas, ela passou várias temporadas na “dacha” de sua mestra em Direção coral, Ludmila Ermakova. A aldeia fica a uma hora de Moscou, além de Peredélkino, o lugar onde Pasternak viveu. Nessa experiência de vida, ela foi tomando consciência do valor do efêmero. Na primavera, a água dos riachos, congelada por vários meses, começava a fluir. Flores apareciam, lírios do vale e miosótis, seguidos por tulipas e lilases. No verão, vinham as morangas, as amoras, as groselhas e a groselha-espinhosa. Nos dias chuvosos, o ar estava perfumado com o aroma das tília. O fim do verão chegava rapidamente e, novamente, a mudança. A natureza marcava o ritmo interno e externo de Belén, que experimentou: “os rituais das estações, o deixar-se levar pela identificação com a natureza, sentir as ressonâncias do céu e da terra, entrar na planície do próprio coração.”

No trópico, seu local de nascimento, nada disso acontece. É verão eterno com períodos de chuva ou seca. No entanto, a fugacidade também está presente. Em uma entrevista que fiz com Belén Ojeda para incluí-la em Obra completa, ela diz: “É tão breve a fragrância das árvores de caoba de Caracas em abril, ou a luz que os ipês trazem para as manhãs de janeiro…” E continua: “A música também é efêmera e inatingível. Flui inacabada. Cada interpretação que fazemos, mesmo da mesma obra, é diferente. Sinto afinidade com a cultura do Extremo Oriente, mas não é algo metódico ou intelectual. Pratico Qi Gong há vários anos. Os mestres dizem que, com o tempo, essa atividade vai mudando a percepção do mundo. Acredito que me identifico com o que a cultura oriental chama de Wabi-Sabi, embora tenha chegado lá por outros caminhos.” (Obra completa: 417)

Belén é uma músico profissional. Ela ensina Teoria e Análise Musical. Ela atuou como regente de coral e como coralista. Ela mantém um diálogo constante com a música e a poesia. A música e a literatura sempre estiveram presentes em sua vida. Quando criança, ela gostava de cantar. Mais tarde, começou a estudar Solfejo e Piano. Mais tarde ainda, escolheu a Direção coral, “porque é uma especialidade na qual música e poesia são inseparáveis”.

Quando ela retornou à Venezuela, depois de concluir seus estudos de Direção coral no Conservatório “Tchaikovsky” de Moscou, ela sentiu nostalgia pela língua e pela poesia russas. Desde então, sua escrita pessoal e a tradução se alternaram. Em 1989, celebrou-se o centenário do nascimento de Anna Akhmatova e ela começou a traduzi-la. Depois, continuou com outros autores russos daquela época.

Na entrevista mencionada anteriormente em 2020, ela disse: “Acho que traduzir é uma maneira diferente de ler e escrever poesia. Talvez o canto coral tenha me ajudado no trabalho com palavras, em seu ritmo, sua sonoridade, especialmente na tradução. (Eliot recomendava que os poetas estudassem música). Mas minha relação com a poesia também influenciou a interpretação musical. Quando ensaio com o coro, trabalho na leitura que o compositor fez do poema ao escolher a tonalidade ou o modo, o registro das vozes, os tempos, as nuances e outros aspectos.” (Obra completa: 417)

Quanto aos livros que ela escreveu, alguns, como Territorios, surgiram de processos aparentemente rápidos, em questão de semanas. Outros, como Graffiti ou El Cuaderno de Colombina, se desenvolveram lentamente, ao longo de vários anos.

No prólogo da Obra completa, o escritor venezuelano Luis Enrique Belmonte fala sobre a poética de Belén Ojeda:
“Outros aspectos fascinantes da poesia de Belén Ojeda são seu honesto vitalismo, sua vocação de ausência, seu impulso para partir. E a extensão do vasto não a paralisa, mas a convida a deixar para trás seu rosto para se adentrar no ausente e estranho.” (Obra completa: 11)
María Antonieta Flores, escritora e editora venezuelana, faz uma entrevista detalhada com Belén[1]. Lá, entre vários temas, ela pergunta sobre suas leituras e influências de escritores venezuelanos, e Belén responde: “A poesia de autores dos anos 60 e 70 faz parte das minhas leituras frequentes, que certamente se tornaram parte do diálogo que mantenho com vários criadores na minha escrita. Leio e dialogo com Palomares, Montejo, Cadenas e Ossott, mas também com obras escritas nessas décadas, como Poemas de uma psicótica, Plegaria e Casi silencios de Ida Gramcko, ou En el allá disparado desde ningún comienzo de Elizabeth Schön. Por isso, quando sinto nostalgia, espero o entardecer em qualquer porto e procuro conchas na praia para ouvir as vozes de Ida, Hanni, Elizabeth e Eugenio junto ao mar.”
O processo de escrita de Belén acontece assim, nas palavras dela: “Às vezes, o poema vem como um ditado. Outras vezes, como um balbucio que amadurece até nascer após um processo de elaboração interior. Às vezes é preciso traduzi-lo até encontrar o ritmo e a música que lhe dão unidade ao sentido inicial. Ele chega de manhã, em abril ou maio. Chega durante longas caminhadas. Um ritmo bate por dentro até quebrar a voz e se tornar palavra.”[2]
A poética de Belén Ojeda é escrita, nas palavras da autora: “a partir da nostalgia, inclusive de um futuro que se pressente perdido; da ironia diante do absurdo; da migração permanente, mesmo permanecendo no mesmo lugar. É escrita a partir da alquimia da infância ou da estranheza; do presente eterno na obra de arte feita existência; do corpo, das vozes da rua em seu coro diverso, das tatuagens da cidade, é escrita com tinta na pele.”[3]
Belén acredita que o trabalho de revisão na escrita do poema é indispensável. Ela acredita que trabalhou com base na coesão em sua obra, mesmo nos casos em que a aparência da obra pode parecer fragmentária.
Grande parte de sua formação profissional foi orientada por mulheres: durante oito anos, ela recebeu aulas da pianista Guiomar Narváez; em Moscou, por cinco anos, foi aluna de Ludmila Ermakova, em Direção Coral; na Poesia, ela foi orientada por Ida Gramcko e Elizabeth Schön. Ela traduziu com dedicação Anna Akhmatova e Marina Tsvetayeva; interpreta e estuda a obra da compositora Modesta Bor; cantou por vários anos na Camerata Barroca de Caracas, dirigida por Isabel Palacios.
Ela não sabe se sua escrita está marcada pelo cromossomo feminino. Deixa essa apreciação para os leitores. Mas acredita que seus interesses têm a marca desse cromossomo.

O escritor venezuelano Daniel Arella diz o seguinte sobre a poesia de Belén Ojeda, no prefácio a Obra completa: “Devido à extensão mínima da maioria de seus poemas, aforismos em versos de intensidade ígnea, não posso deixar de pensar em sua obra completa como um grande arquipélago de 420 páginas.”[4]

Ele continua: “(…) No caso de Belén Ojeda e seu acmé essencial que rejeita as reviravoltas retóricas que filtram a realidade, a clarividência é uma evolução perceptiva que captura a unidade do instante, rumo a um suprematismo da poesia em sintonia com poetas essenciais do ser na poesia venezuelana como: Alfredo Silva Estrada, Elizabeth Schön, Hanni Ossott e Rowena Hill, para citar alguns.

A poesia de Belén Ojeda transmite o efêmero e o cíclico ao mesmo tempo. Ela nos aponta um instante e sua transformação contínua. Seus poemas breves são testemunhas de certos momentos e de sua compreensão profunda. Ela diz em um poema:

Se me impõe a matéria
Nós nos transformamos mutuamente
(Obra completa: 285)

Belén Ojeda é uma viajante e constrói sua casa no olhar poético. Ela nos diz em outro poema:

A rota de viagem traçou seu mapa em nossas roupas
com pedaços de tecido que o caminho percorrido
deu à memória.
(Obra completa: 327)


[1] Entrevista com Belén Ojeda: “escreve-se com tinta na pele”. Maria Antonieta Flores. Revista elcautivo.net (II Etapa. Ano 14. N-70. Julho de 2022).

[2] Entrevista com Belén Ojeda: “escreve-se com tinta na pele”. Maria Antonieta Flores. Revista elcautivo.net (II Etapa. Ano 14. N-70. Julho de 2022).

[3] Entrevista com Belén Ojeda: “escreve-se com tinta na pele”. Maria Antonieta Flores. Revista elcautivo.net (II Etapa. Ano 14. N-70. Julho de 2022).

[4] Ensaio escrito por Daniel Arella e publicado na revista LP5.cl em 16 de novembro de 2020.

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!