5 Poemas de Sonia Chocrón (Venezuela, 1961)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Gladys Mendía

Sonia Chocrón (Caracas, Venezuela, 1961) Poeta e narradora. Roteirista. Publicada por editoras como Alfaguara, Bruguera, Monte Ávila Editores. Em 1988, chegou por concurso ao workshop “El argumento de ficción” de Gabriel García Márquez na Escola de Cinema de San Antonio de los Baños, Cuba. De lá, viajou ao México convidada pelo prêmio Nobel para fundar o “Escritório Cinematográfico Gabriel García Márquez”, onde foi coautora de roteiros para televisão e cinema. Publicou – com sucesso de crítica e público – poesia: Carnet de Identidad (2023, LP5 Editora), Hermana pequeña (2020, Editorial Eclepsidra), Bruxa (2019, Ediciones Kalathos España), Mary Poppins y otros poemas (2015, Lugar común Editores), Poesía Re-unida (2010, Bid & Co Editores), Fe de errantes. 17 poetas del mundo (2006, Otero Ediciones), La buena hora (2002, Monte Ávila Editores), Púrpura (1998, La Liebre Libre editores), Toledana (1992, Monte Ávila Editores); novela: La dama oscura (2014), Sábanas negras (2013), Las mujeres de Houdini (2012); conto: La virgen del baño turco y otros cuentos falaces (2008), Falsas apariencias (2004), Usted (2022). Seu trabalho – tanto literário como cinematográfico e televisivo – lhe rendeu diversos prêmios e reconhecimentos. Aparece em numerosas antologias poéticas e críticas. Publicada/traduzida em vários idiomas em revistas acadêmicas – poesia e narrativa – especializadas em literatura. Reside na Venezuela.


CARACAS

A ordem é partir logo
com as meninas dos olhos
com as flores entaladas na garganta
para não gritar
E guardar as sagradas escrituras
os lugares já cinzentos
os mortos, os parques e mascotes
para quando voltarmos
do medo


ORDEM

É preciso arrumar a casa
lavar a louça, arrumar a cama
é preciso arrumar a casa
plantar as flores de abóbora
apagar o rastro da melaza
buscar a música das coisas
fazendo ordem, fazendo casa
com as palavras para formá-las
colocar a ordem
formar a casa
com um exército de palavras
que ninguém saiba, que ninguém veja
que as glorietas estão caindo
é preciso arrumar a casa
para que o pássaro da tristeza
vá ao parque ou à avenida,
colocar a ordem dentro de casa
e que não cresça a angústia cega
que cresce nela quando é de dia.
Banhar de açúcar e sangue ímpio
todo resquício das esquinas
que Deus a ampare e a favoreça
da traiçoeira melancolia
do mau-olhado e a vilania,
que é preciso fazer ordem
tirar a tralha, varrer o pó
todos os dias,
limpar a casa, colocar a ordem
que se nos vencer, nos venceria
a morte eterna, a pena em vida
matar a ordem, fechar a ferida.


ÚTERO

Desejo a poesia
certas noites
como quem anseia uma cópula dissoluta,
antes que uma fenda nos reivindique
em seu fosso estéril.
Seu roçar contínuo e macerado
pelo tempo.

As marés do ânimo que agasalha ou corrói.
Seu cheiro a fruta madura e sensual.
Os olhos instruídos do poema que sabe
que os verbos perfuram, umedecem ou sangram,
mas também partem magnânimos
para nos deixar dormir.

Eu anseio uma rima redentora,
como uma canção de terna cama,
quando vejo a morte e sinto frio.

Mas o melhor verso, o que me absolve
de meus dias
desgrenhados,
é um côncavo e de toque suave,
dadivoso e clemente como
o ventre de minha mãe.


STROMBOLI

Somos menos mortais
quando amamos.
Um lago congelado no tempo.
Uma estrela cadente
que não foge
do cosmos,
reluz como lantejoulas e mãos
de cinco pontas.
Somos o interminável
quando amamos.
As quatro estações.
Uma pinta de nascimento.
O mar do mundo.
O ulular do vento.
“Something” dos Beatles
E claro, o Stromboli.


A HABILIDADE DO ADEUS

De nada somos donos,
já sei.
Se você partir
poderei entender.

Embora me persigam as tardes côncavas
sem precauções nem apetites,
sem a avarenta ambição de qualquer
pontualidade.

Serão precipício as horas,
pedregulhos mortos deslizando
pelos penhascos de amanhã
e depois
e do próximo mês.

Não encontrar mais você dentro do túnel
de um beijo.
Nem caminhar na ponta dos pés pelos segredos de sua rua adormecida.
Não sorver você no café negro
de sua ternura diluída e camuflada
no escuro.

Se me esquecer, posso prever,
serei
mais órfã, mais velha.
Mais desvio coagulado.
Uma língua em desuso, gramática em silêncio.

Se não voltar, te guardarei
como puder
no mar de fundo que é
uma fotografia escondida
em uma gaveta.
Talvez prefira levar-te sempre na bolsa de couro
que já é minha pele
e me acompanha a todos os lugares.
Ou talvez, se eu me propuser,
será apenas um meandro imperceptível
neste livro
de poemas.

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