5 Poemas de Ana Enriqueta Terán (Venezuela, 1918-2017)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Gladys Mendía

Ana Enriqueta Terán (Valera, 1918-Valencia, 2017). Poeta e diplomata. Trabalhou como delegada da Assembleia da Comissão Interamericana de Mulheres em Buenos Aires em 1949. Em 1952, retirou-se de sua carreira diplomática para se dedicar à poesia. Recebeu o Prêmio Nacional de Literatura em 1989 e foi agraciada com um doutorado honoris causa pela Universidade de Carabobo em 1989. Publicou os livros: Ao norte do sangue (1946), Presença terrena (1949), Verde secreto (1949), De floresta a floresta (1970), O livro dos ofícios (1975), Livro de Jajó (1980-1987), Música com pé de salmo (1985), Casa de falas (1991), Alabatros (1992), Antologia poética (2005), Construções sobre fundamentos de neblina (Monte Ávila Editores, 2006), Outros sonetos de todos os meus tempos (2014) e Pedra de fala (2014).


XI

Eu, que na vida só conheci
a rosa de presença fugaz;
eu, que busquei a eterna sempre-viva
do amor e seu fogo defendido.

Eu, que no leito do já vivido
coloquei gemendo minha carne pensativa;
eu, que ignoro a causa primitiva
do meu viver e meu nascido esquecimento,

louvo o sopro da primavera,
a incerta chama que secretamente admira
o despojado coração que espera.

Louvo minha vida humilde e densa,
meu coração de tintas indefesas,
que é mais escuro quanto mais se olha.


XVI

Escreve-se, e a escrita desenreda
meadas de luxuosa semelhança;
barco que nunca chega e sempre alcança
a medida da fome e não concede
Punho de sombra à recente seda
do bolso; a seda semelhança
de piso bem lustrado e louvor
de quem deve semear e não fica.
E não se apaga do mural de vento
onde a confusão tece e destece
aparentemente um válido argumento.
Parar, procurar alguma saída,
algo que abrigue ou apenas um pensamento
que desmantele a rosa ou a deixe.


PEDRA DE FALA

A poeta cumpre medida e risco da pedra de fala.
Comporta-se como através de outras eras e outros litígios.
Escuta o dia e só descobre a noite nas penas do outono.
Entra na sala das congregações vestida do mais simples ato.
Ajoelha-se com suas riquezas na toca do iguana…
Uma vez tudo pronto, retorna ao lugar de origem. Lugar de impropérios.
Suas aves sagradas negam, sua caverna com pouca luz, modo e estranheza.
Covardia e estranha coragem diante da idade e seus pontos de ouro sólido.
A poeta responde por cada fogo, por toda utopia, sobrancelha, altura
que se repete na mesma tristeza, no mesmo esforço por mais sombra,
por um pouco mais de doçura para a antiga posição.
A poeta oferece suas águias. Resplandece em suas aves de nuvem profunda.
Torna-se dona das estações, das quatro cadelas do bom e mau tempo.
Torna-se dona de rochas e descamações escolhidas com toda intenção.
Enfia uma arara onde terá que se ajoelhar.
A poeta cumpre medida e risco da pedra de fala.


A POETA CONTA ATÉ CEM E SE RETIRA

A poeta recolhe erva de entressafra,
pão velho, cinzas especiais de faca;
ervas para o evento e as iniciações.
Ela talvez goste da herança assumida pelos fortes,
o grupo estudioso, livre de mão e fechado de coração.
Quem, ele ou ela, juramentados, destinados ao futuro.
Filhos da puta clamando tão docemente pelo verbo,
implorando como chegar à santa a sua linguagem de névoa.
Ontem à noite houve pedras nas costas de uma nação,
carvão muito esfregado nas bochechas de uma aldeia distante.
Mas depois agradeceram, juntaram, desmentiram,
retiraram junho e julho para a fome. Que houvesse fome.
A menina boa conta até cem e se retira.
A menina má conta até cem e se retira.
A poeta conta até cem e se retira.


TUDO RETORNA À CONSTANTE PURA

Apontaram-nos barco e provisão.
Pouca fé, pouco amor, testa excessiva,
muito esquecimento e carne fugitiva
que busca em vão um fundamento firme.

Mísera parcela e algum momento
de palavras inúteis e agressiva
cegueira de grande besta sensitiva
encharcada em fugaz pressentimento.

Impulso, luta, sem encontrar um claro
onde mostrar-se neblina ou conjectura
de eternidade, ou simplesmente vida

que faça valer seu tempo e desamparo.
Tudo retorna à constante pura:
um bater de asas de janela ferida.

1 comentário em “5 Poemas de Ana Enriqueta Terán (Venezuela, 1918-2017)”

  1. Poemas densos e desafiadores ! O leitor terá o desafio constante de desvenda-los ! Afinal o interesse deve ser estimulado de maneira constante.

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