3 Poemas de Márcia Kambeba

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Márcia Wayna Kambeba é indígena, do povo Omágua/Kambeba no Alto Solimões (AM). Nasceu na aldeia Belém do Solimões, do povo Tikuna. Mora hoje em Belém (PA) e é mestra em Geografia pela Universidade Federal do Amazonas.
Escritora, poeta, compositora, fotógrafa e ativista, Márcia percorre todo o Brasil e a América Latina com seu trabalho autoral, discutindo a importância da cultura dos povos indígenas, em uma luta descolonizadora que chama para um pensar crítico-reflexivo sobre o lugar atual dos povos originários sul-americanos.


Índio eu não sou

Não me chame de “índio” porque
Esse nome nunca me pertenceu
Nem como apelido quero levar
Um erro que Colombo cometeu.

Por um erro de rota
Colombo em meu solo desembarcou
E no desejo de às Índias chegar
Com o nome de “índio” me apelidou.

Esse nome me traz muita dor
Uma bala em meu peito transpassou
Meu grito na mata ecoou
Meu sangue na terra jorrou.

Chegou tarde, eu já estava aqui
Caravela aportou bem ali
Eu vi “homem branco” subir
Na minha Uka me escondi.

Ele veio sem permissão
Com a cruz e a espada na mão
Nos seus olhos, uma missão
Dizimar para a civilização.

“Índio” eu não sou.
Sou Kambeba, sou Tembé
Sou kokama, sou Sataré
Sou Guarani, sou Arawaté
Sou tikuna, sou Suruí
Sou Tupinambá, sou Pataxó
Sou Terena, sou Tukano
Resisto com raça e fé


Os filhos das águas dos Solimões

A água é a mãe que sustenta
A vida que nasce como flor
Alimenta a planta e o ser vivente
É estrada onde anda o pescador.

Na enchente, vem veloz e furiosa
Derrubando ribanceiras e plantações
Afeta a vida do indígena e ribeirinho
É um ciclo, que se renova a cada estação.

Na vazante o rio quase some
E a praia começa a surgir
A água, agora bem calminha
Não tem forças para a roça destruir.

Nas margens de um rio em formação
Vive um povo que a água fez nascer
Em um parto de dor e emoção
Na várzea o Kambeba escolheu viver.

Mas em um contato fatal
Com um povo mais socializado
Fez dos herdeiros das águas
Um povo desaldeado.

Tomando seu solo sagrado
Sem dor, piedade ou compaixão
Os Kambebas foram escravizados
Apresentados a “civilização”
Exploraram a sua força
Forjando uma falsa proteção.


Território ancestral

Maá munhã ira apigá upé rikué
Waá perewa, waá yuká
Waá munhã maá putari.
(tradução)
O que fazer com o homem da vida
Que fere, que mata
Que faz o que quer?

Do encontro entre o “índio” e o “branco”
Uma coisa que não se pode esquecer
Das lutas e grandes batalhas
Para o direito a terra defender.

A arma de fogo superou minha flecha
Minha nudez se tornou escândalo
Minha língua foi mantida no anonimato
Mudaram minha vida, destruíram meu chão.

Antes todos viviam unidos
Hoje, se vive separado.
Antes se fazia o Ajuri
Hoje, é cada um para o seu lado.

Antes a terra era nossa casa
Hoje, se vive oprimido.
Antes era só chegar e morar
Hoje, o território está dividido.

Antes para celebrar uma graça
Fazia-se um grande ritual.
Hoje, expulso da minha aldeia
Não consigo entender tanto mal.

Como estratégia de sobrevivência
Em silencio decidimos ficar.
Hoje nos vem a força
De nosso direito reclamar.
Assegurando aos tanu tyura
A herança do conhecimento milenar.

Mesmo vivendo na cidade
Nos unimos em um único ideal
Na busca pelo direito
De ter nosso território ancestral.

O que fazer com homem na vida
Que fere, que mata
Que faz o que quer?

19 comentários em “3 Poemas de Márcia Kambeba”

  1. Márcia Kambeba, tua história de vida é um exemplo para muitos e tua poesia é de suma importância não somente para os povos indígenas, mas para todos que queiram entender e aprender sobre todos os assuntos relacionados aos povos indígenas. Fiquei encantada com tuas poesias, parabéns.

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  2. Mesmo vivendo na cidade
    Nos unimos em um único ideal
    Na busca pelo direito
    De ter nosso território ancestral.

    mas para todos que queiram entender e aprender sobre todos os assuntos relacionados aos povos indígenas. Fiquei encantada com tuas poesias, parabéns.

    Responder
  3. Sou estudante e esses poemas deram luz para meu trabalho sobre literatura indígena, obrigada Márcia! Poesias estonteantes e de suma importância para nossa cultura!❤️

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  4. Até o sobrenatural e o espiritual estão nas suas palavras e em seus versos, neles se escondem uma dor,mas claramente também se vê uma força que vai além do que se lê. Viajando nos teclados tentando escrever um texto que fale um pouco deste fracasso cometido por nós “o ser civilizado” me deparei com você e com suas palavras; acho que me abriram uma porta. obrigado. um abraço. Fica em paz.

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