A Instituição das Formas – A Poesia de Priscila Branco

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Por Lorraine Ramos Assis*

A sacarose é formada por implicações de condensação. Condensação advém tornar algo denso, espesso, duro. E são essas as adjetivações que se projetam na obra “Açúcar”, de Priscila Branco.


Constituída de um campo convidativo ao leitor, o livro é dividido em quatro capítulos, todos trazendo-nos para os traços definitivos do cotidiano da poesia da escritora. Se já no começo nos é alertado o conteúdo, como se estivéssemos em um jogo com avisos prévios nos gráficos a seguir, é aí que reside a introdução da interioridade lírica. Pequenos manuais que nos conduzem às expressões e fragmentos de compilados diários da vida comum.


Na poesia “amor entre várias paredes”, no capítulo “inevitável, quarentena”, a atribuição dos sentidos diversos relatados tal qual confessar desejo por asas e revoluções, abraçar janelas até esquecer o número próprio do apartamento marca a agudeza de sua poesia formada em estilo seriado, partido, igual a uma complexa realidade vertida na casa interior e na casa externa.

“É preciso falar com portas /imaginando o outro / lado um mundo inteiro / submerso em labirintos / pontes entre portas / guardando carros / carroças e andarilhos

é preciso bater em portas /aceitar o silêncio / como resposta / aguardar bocejando / uma vigília / sem pressa e sem prece

Gaston Bachelard, poeta, filósofo e químico francês nos demonstra que toda imagem literária coloca-se como um texto original da linguagem, vínculo formativo da tessitura poética nova. Equivale a esse campo embrionário de novas raízes à literatura contemporânea – que poderíamos conceber como uma escrita inespecífica dada suas novas formas de operacionalidade das palavras e constructos de uma obra – a relação entre poeta e leitor em sua concepção do imaginário.

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“faculdade de deformar as imagens fornecidas pela percepção”, inicia Bachelard em “O ar e os sonhos”, porque imaginar “é sobretudo a faculdade de libertar-nos das imagens primeiras, de mudar as imagens. Se não há mudança de imagens, união inesperada das imagens, não há imaginação, não há ação imaginante”

Demais textos são breves, possibilitando o dialógico com Alejandra Pizarnik. Brevidades que aludem ao doce ou amargo gosto do açúcar por sua destreza no pequeno falatório. “Poema solar” é um exemplo de um outro alerta que Priscila Branco nos dá: cuidado para não se queimar.

No tratamento das formas poemáticas na comunicação palavra e imagem, tendo em vista o traço dos desenhos da autora, a valorização da imagem é reconhecível por suas ambivalências, passível a representações, interpretações a quem está lendo mediante o dinamismo que os circunda.

Espaço inconsciente e simbólico, o autor Luiz Costa Lima evoca o discurso mimético –  reproduzir determinado objeto da realidade – no contato com a realidade histórica, explorando significantes e significados aos quais o vivente da obra se aloca no descobrimento ficcional. O doutorando em letras, assim sendo, conclui que a situação histórica se realiza como possibilitador de significados no interior de um texto, fornecendo o papel da ficção como um agente do fenômeno imaginativo.

A aparição do elemento fogo é uma característica peculiar. Há tempos me vem à lembrança de que com fogo não se brinca. Contudo, nos esquecemos do principal: o fogo é ciumento. Ele quer toda a beleza para si. A caracterização da premissa inicial do elemento fogo, na astrologia, é o exercício da vontade e conquista da liberdade. Premissas iniciais a que o livro identifica na página “aviso aos consumidores” cuja escrita se constrói na ambiência, ambição do político e suas reivindicações.
Porém quem a escreve não quer tudo para si, mas sim para um coletivo. Priscila anseia em modificar um real. Especialmente para mulheres.

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Publicada em 15 revistas digitais ao longo de dois anos e meio, tais como Ruído Manifesto, Mallarmargens, Vício Velho e Aboio, Lorraine Ramos Assis, em seus 25 anos, é uma artesã do caos. É estudante de Sociologia, na UFF. Integrou a antologia Ruínas, da editora Patuá, e a antologia LiteraturaBr. Concedeu duas entrevistas no canal “como eu escrevo”. Colabora com o portal Faziapoesia.

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