5 Poemas de Roberto Acuña (México, 1981)

| | ,


Curadoria e tradução de Floriano Martins

Roberto Javier Acuña Gutiérrez (Cidade do México, 1981). É escritor, facilitador de workshops, professor universitário de Comunicação e Língua e Literatura Hispânica na UNAM e professor cervejeiro da cervejaria Chupamirto. Entre suas publicações estão: Tarde en recordar (2017), Los ojos negros de la noche (2019), Regusto a diablo (2020), Calaverio (2020), El infierno es con nosotros (2020), Fosa común (2022), Lenguas del agua (2022). Alguns de seus reconhecimentos incluem, em 2012, o 1º lugar no II concurso de contos “A Cidade Imaginada” (Governo do DF, edições Zócalo); menção honrosa no XI Concurso Nacional de Contos Beatriz Espejo (2012); em 2014, primeiro lugar de poesia no “XVII concurso de poesia: Décima morte”, organizado pela UNAM; em 2015, o 3º lugar no “Concurso de Ensaios de Literatura Coreana. Chilling Night Tales” (LTI Korea e Bonobos); além do 1º lugar no concurso de crónicas: “Crónicas de um vírus sem coroa” (UACM, 2020); entre outros.

*****

A arte deve ser uma droga, deve mostrar o outro lado do espelho, a alteridade que nos envolve e molda. A poesia nesse sentido não pode buscar equilíbrio ou calma, não é um ponto de estabilidade, é um desequilíbrio. A poesia deve doer, abrir ou mostrar uma ferida que nunca cicatriza, como o amor, a morte, como o esquecimento que nunca se esquece.

Escrever poesia é um ato de imolação, uma oferenda perante a própria vida e perante a morte. É o coração palpitante na mão do sacerdote que também enterrou a faca no corpo ainda quente do sacrifício; a poesia é o corpo, a faca, o padre e o sangue derramado do coração, é o sacrifício que levantamos para ter uma vida mais profunda. Escrever é abrir o corpo e retirar as entranhas, buscar a alma e encontrar o vazio de um corpo moribundo e uma alegria como uma flor que se desfaz.

Escrever poesia é evidenciar algo mais que ossos e sepulturas clandestinas, a poesia vai além de um corpo e letras acomodadas de uma certa maneira; como nas aves, a sensação de voar não se explica apenas pelas asas, mas é aí que começa a sua liberdade. Assim, a poesia precisa de palavras para ir além das palavras, ela precisa de uma forma de ser livre e buscar a pulsação de seu próprio sangue que, em última análise, transcende seu próprio sangue.

“Pensamentos soltos sobre poesia” / Roberto Acuña (2023)


DEVERIAS TER MORRIDO NA SEGUNDA-FEIRA

Deverias ter morrido na segunda-feira
porque uma segunda-feira
será sempre a mesma segunda-feira
um zero de vinte e quatro horas;
um espelho olhando para outro espelho;
um retorno que inicia e é sempre um retorno.
É por isso que tua morte deveria ter sido em uma segunda-feira,
um começar sempre,
um retornar à morte e tuas cinzas,
um batimento cardíaco sob o colapso de teu sangue,
em direção ao teu último sorriso
em que a tua força ainda ergueu o dia em meus olhos
e a semana acordou contigo
e sempre começava na segunda-feira
com teus passos lentos que foram surgindo no caminho
onde eu brincava com a tua sombra
que deixavas comigo, como em todas as segundas-feiras,
antes de ir ao trabalho.


CRIANÇAS PERDIDAS

Um dente teu eu conservo
em algum lugar do mundo.
Da minha cidade que me foi cariando
a primeira costela de tudo,
desde o início, do primeiro tremor
que para sempre fez águas.
Um dente teu eu conservo
e não encontro a tua boca
ou minha voz.
Apenas um dente teu, meu,
de leite,
desesperançado.


COMO É DIFÍCIL UM NOME

Como é difícil um nome,
à noite, como é difícil.
Um prego, um naufrágio
em algum lugar perdidos.
Como é difícil o nome
que não se sabe, que não para
e que sangra na memória
seus silêncios e que sangra
centenas de quebra-cabeças
despedaçados e que sangra
na língua a sua tristeza.
Como é difícil o nome
Oh que difícil no trovão
de seus metais nosso céu!;
oh, que sonora é a crueldade
alinhavando suas sílabas!;
oh… e apenas um oh
de tanto gostar e pensar nisso
como parte da minha sombra.


CANTO DE SEREIAS

Para Lizete Velázquez

Eu desenrolo o mar
Penteio em minha própria cabeça
os cabelos das sereias

As ondas clareiam
cantam o calor da água
entoam um salmo de asfixia
ao contrair meus ossos
ao partir a espinha dorsal de minha tristeza

Com meus dedos percorro seus cabelos
Eles me são entregues por elas negros
Dourados azuis pálidos brancos
vermelhos e verdes como o silêncio

as sereias nunca tiveram voz
e em suas bocas
Eu percebo as notas de meus desejos


TEMPORADA DE PLANTIO

Para Daniela Acuna

A escuridão do poço era fresca, a umidade brilhava na água como a curva de uma faca, a escuridão do poço era fresca. Irmã, lava meus pés com essa água. Tuas mãos são lindas, tuas mãos são macias como a escuridão do poço. Para que lado gira a corrente de água estagnada? Leves são os teus dedos, finos são os teus dedos como a curva acentuada da água, molha os meus pés cansados de tanto embalar a lama, molha-os com o esquecimento dessa água que nunca se cansa.

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!