Curadoria e tradução de Floriano Martins
A colombiana Laura Victoria, pseudônimo de Gertrudis Peñuela (1904-2004), foi uma pioneira da poesia erótica em espanhol escrita por mulheres, há quase um século, “a encarregada de dar um passo à frente na escrita feminina ao expor abertamente o gozo e o prazer sensual como uma possibilidade que também era permitida às mulheres”, escreve a professora María Camila Alzate Torres, uma das especialistas em seu trabalho.
Professora por formação, jornalista e diplomata por profissão, instalou-se na Cidade do México por motivos pessoais em 1939, onde passou praticamente o resto de sua longuíssima vida – morreu aos 99 anos e meio – exceto por partidas esporádicas, a mais longa das quais foi de três anos em Roma, como adida cultural da embaixada de seu país. Antes daquela primeira marcha para o México, ela havia se tornado uma figura muito popular e polêmica em seu país por sua poesia erótica e sensual, rara na Colômbia e na América Latina há quase um século, especialmente da boca de uma mulher. “Venha, chegue mais perto, beba na minha boca / o que chamas de neve; / verás que com a respiração ela se solta, / verás que entre seus lábios avermelham / as pétalas de âmbar. / Venha, chegue mais perto. / Morda minha carne / com tuas mãos morenas; / Verás quão docemente / o cacto de meu corpo desmaia, / e a misteriosa suavidade da madrepérola emerge vagamente da neve dura”. Assim começou secretamente, o poema que, publicado na revista Cromos, a lançou à fama e ao debate público na década de 1930.
“Ela nunca conhece o amor ideal”, escreve seu biógrafo Gustavo Páez Escobar. Os homens se sentem seduzidos pela deusa da poesia e a cercam de paixão. Muitos imaginam que o que seus versos dizem é o que ela pratica na privacidade de sua própria vida. Depois de algum tempo, um jornalista pergunta se ela encontrou o amor verdadeiro, e ela responde: “Infelizmente não. Dediquei-me então ao estudo da Bíblia para alcançar o conhecimento de Deus. E esse amor verdadeiro eu finalmente encontrei em Cristo.” Assim foi. Depois de uma viagem à Terra Santa, sua poesia acabou sendo mística.
ARSENIO ESCOLAR
TUA BOCA
Polpa de fruta que destila um vinho
tinto de sombra na adega rosé,
tâmara madura, amora do caminho
romã em flor sob o azul tostado.
Dentes mais brancos que a flor do espinheiro
e ainda menores que o arroz coalhado.
Eles nevam no sorriso como o linho,
e são adagas de marfim esculpido.
Boca, na época, perfeita, deliciosa,
que às vezes tem langor rosa
e desejo insaciável de recém-nascido.
Desde que foste a taça de meu canto,
sela hoje meu beijo desfeito em pranto
e ajuda-me a partir para o esquecimento.
ÍNTIMA
A pelúcia das sombras era tão quente,
que sem querer calamos,
e bebemos como vinho velho
a frase que tremia nos lábios.
Embora sem amor, em silêncio
as mãos se afastaram,
sem saber se embalamos um sonho
ou era o torpor de algum amor distante.
E também, sem conhecer o mistério,
nossas bocas alheias se juntaram,
e nas pupilas úmidas da ausência
a tarde lilás permaneceu tremendo.
Mais tarde, no emaranhado da reprovação,
nos perdemos conversando
e na rocha da alma se fez sangue
o fruto mentiroso dos lábios…
Talvez o vento de outras solidões
nos surpreenda chorando
e então nascerá como eco rompido
a frase que silenciamos…
DESEJO
Na areia quente da praia
teu encontro amoroso com prazer espero;
o sol toca meus ombros nus
e entre minha saia brinca o vento.
Já com águas salobras cristalinas
o mar de anil acariciou meu corpo;
levo nos lábios um coral partido
e uma concha presa aos cabelos.
As esmeraldas de meus olhos tristes
aguardam por tuas pupilas de boêmio,
e minhas mãos germinam as carícias
que brotam ao toque de teus dedos.
Vem, já se abrem como amarantos rubros
os botões floridos de meus desejos,
e entre meus lábios trêmulos se acende
a flama louca de meus beijos.
OFERENDA
No mutismo da noite cúmplice
rasgue tua respiração o traje do desejo,
e surja leve como uma flor madura
a pelúcia milagrosa de meu corpo…
Rompa a luz seu desbotado ouro
nas ânforas tíbias de meus seios,
vertam teus olhos seu fluxo de sombra
no musgo outonal de meus cabelos.
Em botão de alabastro guarde tua alma
o langor suave de meu silêncio,
a tua boca desfrute em uma dobra de sorriso
a romã entreaberta de meu beijo…
Seja a tua voz o chocalho sonoro
para despertar meu espírito do sono,
seja teu amor a estrela misteriosa
que derrete as neves de meu corpo.
E na carícia da seda cúmplice
Curve minha cintura o peso de teus dedos,
enquanto afunda como flor de abismo
a sombra na cavidade dos espelhos.
[QUANDO REGRESSARES]
Quando regressares não acharás sequer
vestígios do passado.
No parque os cisnes morreram
e as verbenas vermelhas secaram.
Aqueles versos lilases que ouvias
segurando minhas mãos,
foram trocados por outros calcinantes
que vestem minha alma com roupa púrpura.
E essas doces promessas que em teus braços
me fazias tremendo,
são uma corda quebrada em meu ouvido
e nem mesmo um eco doloroso me deixaram.
Também naufragaram em minhas pupilas
os teus olhos ciganos
e em minha boca congelaram em silêncio
os traços ardentes de teus lábios.
Quando regressares não acharás sequer
vestígios do passado.
No parque os cisnes morreram
e em minha boca teus beijos se apagaram.