Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Elys Regina Zils
Fernando Trejo (Tuxtla Gutiérrez, Chiapas, 1985). Publicou, entre outros livros de poesia, Cuaderno invertebrado (Juegos Florales San Marcos 2006), Solana (menção honrosa do Prêmio Nacional de Poesia Joven Elías Nandino 2014), Ciervos (Prêmio Poesia Inédita Enoch Cancino Casahonda 2014), Base Atenas (Prêmio Regional Centroamericano de Poesía Rodulfo Figueroa 2015), La abuela está en la casa porque he visto su voz (Prêmio Nacional de Poesia Alonso Vidal, 2018), Las armas que me dejó la guerra (Prêmio Estatal de Poesía Raúl Garduño 2020), En los ojos del mar. Foi estagiário no PECDA em 2005 e 2008 e do programa de Jóvenes Creadores del FONCA, em 2018. Dirige o Encontro Nacional de Escritores Carruaje de Pájaros.
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O mais recente livro de Fernando Trejo é uma longa elegia, dolorosa e luminosa, onde os tempos se misturam até formarem os momentos em que a dor se abre, deixando entrar a memória La abuela está en la casa porque he visto su voz remete-nos desde o seu título ao desaparecimento físico de uma presença tão querida e lembrada que não pode deixar de regressar, manifestando-se de forma misteriosa e, ao mesmo tempo, perfeitamente perceptível , já que é de uma voz que se vê, de mãos mortas que se tocam de novo, de um olhar e de um riso que voltam. O poema que apresentamos faz parte da segunda seção do volume, escrito em seu conjunto à maneira de um roteiro de cinema; daí as indicações do tipo “interior”, “exterior” ou “flashback”, que o poeta utiliza para nos situar em cenários quase sempre domésticos, filtrados pela religiosidade característica da avó inesquecível. Fernando Trejo publicou, entre outros livros, Solana (2014) e Ciervos (2015). Foi estagiário do Imcine e é um dos principais animadores do Festival de Poesia Carruaje de Pájaros, que acontece na sua terra natal. Com La abuela está en la casa porque he visto su voz(Cuadrivio, 2019) ganhou o Prêmio Nacional de Poesia Alonso Vidal.
JORGE ESQUINCA
O mar é uma lágrima de Deus.
Dizem os que naufragam.
Dentro de si,
já afogados
no fundo da água,
acontecem
no reflexo do cristal marinho.
Eu os vi,
mãe. Na Isla Blanca,
em Puerto Acero.
Onde cai a noite
como uma gota de rum.
Uivam como lobos,
boqueiam.
Sabem que estão mortos
mãe,
mas a morte do mar
é branca e infinita.
JULIANNE MOORE
Um disparo é a voz de Peter. Um disparo é um espelho. Do outro lado do reflexo quem é que: um estrondo, um relâmpago em direção à cabeça. Vejo as palavras na minha frente, mas não consigo alcançá-las. Tenho na língua uma ponta que quebra. É por isso que Peter está aqui. Chegou, cabisbaixo. Com a angústia como um chapéu nas mãos e tordos na sombra. Porque os tordos são a alma conjunta de um morto que se amou; rodopiam, enredam e navegam no mal do desconhecido. Uma olhadela torda pode ter muitas asas que batem no negrume, tropeçando, esbarrando na parede de pálpebras caídas… mas abertas. Alice, que era Julianne, tem Alzheimer e vai sumindo aos poucos. Ficará, ao longe, na ponta do mar dos esquecidos. Ali, de modo ensurdecedor, chocará cada vez que uma recordação acenda uma lâmpada e sua luz for apenas uma nota muda, sinos invisíveis perpetuando-se em uma cadeira de balanço de açúcar: desmoronando, virando pó.
Se algo tiver que salvar Alice será o reflexo. E Peter sabe disso, por isso coloca a angústia no cabideiro e calça as luvas. Desta vez, usa luvas, porque os descuidos também enodoam, como os tordos. Peter está de olho em botas de camurça. Abraça-as de longe. Ele pensa que as abraça. Mas é apenas o espelho que esqueceu que um reflexo é invisível se tocado.
Alice Moore, a vítima que não é, vive abraçada por sombras e tordos e neurônios fundindo-se que a prendem ao infinito. Peter retoma o voo. A sombra desenhou asas. Os silêncios ganham vida em uma borboleta. De pé, Peter mira, fecha o olho direito, pisca enquanto o inseto sai de sua boca. Em sua mão há uma explosão de anêmonas. O índice treme… a operação esqueci, gostaria de pronunciar o verso, mas fogo. Luz. Flashes.
Vejo as palavras na minha frente, mas não…
A TRISTEZA DO MEU FILHO NUM CAMPO DE FUT SEVEN
Ao meu pai Fernando. Em memória.
Ao meu filho Iñaki.
Em um torneio na Zona Escolar Número Dois
vi pela primeira vez
meu filho jogar futebol.
Seu entusiasmo como lateral direito me levou a ser ele
aos sete anos: me vi na frente do meu pai naquele domingo em
Caña Hueca.
Ninguém percorre o caminho de volta. Não há retorno
sem uma voz que não se quebre.
E não é que nos doa a alegria,
mas algo queima das lágrimas.
Vi como meu pai da arquibancada
acenava instruções,
filtrava com os olhos um passe,
entrava sem medo no trote do meu filho
que comandava o campo como um zagueiro-esquerdo,
como um pequeno Messi.
Com aquela vontade de diretor técnico
meu pai comemorou o empate de 3.
Mas os acréscimos oportunizaram o contra-ataque dos adversários
que marcaram um gol de pênalti.
A tristeza do meu filho
invadiu meus olhos
quando o árbitro levantou as mãos
para findar o resultado.
Corri para abraçá-lo para amenizar a tristeza,
para que sua derrota fosse minha,
para fazê-lo acreditar que minhas palavras valiam mais que um jogo de futebol.
Mas não.
Nunca como dessa vez me doeu tanto uma cena.
Porque tal era a sua coragem em mim
que regressei a aquela lembrança de infância
com meu jovem pai me consolando
naquele domingo quando perdemos a final dos Telefonistas
contra os Talentos Desportivos.
Mas não.
Meu pai agora era eu.
E meu filho um pequeno
que despertava de repente
minhas lembranças.
Na escadaria, abraçando-o,
liberei todos os medos daquela criança que fui,
daquele garotinho que hoje se desvanece,
quem se despede de mim na linha de chegada
com uma reverência
para as arquibancadas,
onde estamos,
sem olhar,
meu pai,
meu filho
e eu.