6 Poemas de Ivonne Gordon (Equador, 1958)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Ivonne Gordon (Quito, Equador, 1958). Concluiu sua tese de doutorado sobre: ​​ La femineidad como máscara. Um estudo da obra poética de Gabriela Mistral. É poeta, crítica literária, tradutora, ensaísta e professora de literatura latino-americana na Universidade de Redlands, EUA. Entre os prêmios, o mais recente foi o vice-campeonato do prestigiado Prémio Internacional Hespérides de Poesia; Prêmio de Poesia, Jorge Carrera; finalista do Prémio Internacional de Poesia Francisco de Aldana; finalista Andrés Bello; Menção Honrosa Prémio Internacional de Poesia East-West Academy, Romênia; finalista do Prêmio Extraordinário Casa de las Américas. Publicou mais de uma dezena de livros, Nuestrario (México, 1987); Bajo nuestra piel (México, 1989); Colibriíes en el exilio (Equador, 1997); Manzanilla del insomnio (Equador, 2002); Barro blasfemo (Espanha, 2009); Meditar de sirenas (Suécia, 2013, 3ª Ed. Chile, 2019); Danza inoportuna (Equador, 2016); Ocurrencias del porvenir (Argentina, 2018); El tórax de tus ojos (Espanha, 2018); Diosas prestadas (Espanha, 2019); Water House/Casa de Agua (Estados Unidos, 2021); Salt Oracle (Estados Unidos, 2023); Inventario íntimo de las cosas (Salamanca, Espanha, 2023). Publica numerosos artigos acadêmicos sobre literatura latino-americana de difusão internacional. Sua poesia está registrada na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. Palestrante principal em diversas universidades dos EUA. Foi convidada para os mais importantes festivais internacionais de poesia, a sua poesia aparece em mais de quarenta antologias internacionais. Foi traduzido para inglês, italiano, romeno, grego e polonês. Seu trabalho é estudado por acadêmicos proeminentes em universidades dos EUA e do Equador.


A VIAGEM AO PAÍS DOS CARANGUEJOS AZUIS

Sem saber saímos daquele lugar natal depois de milhares
de anos, as mãos estavam cheias de flores e lama
e imaginamos a imensa abundância de línguas
e as feridas desconfiadas.
Com mãos como criaturinhas imóveis
estávamos depositando gotas do mar na língua,
e descobrimos que não somos eternos,
quando as feras conduzem o rebanho para pátios vazios,
ao imaginar
o naufrágio das noites da pólvora,
quando sinto os arranhões nas estrelas,
percebemos que mais de mil anos se passaram
e que nossa pele ficou ao lado dos lagartos
de relógios macios, e que cheiramos
o cheiro dos pombos para viajar ao país dos caranguejos azuis.
Temos a sensação de que tudo ainda está por ser feito.
Temos que deixar o perfil da pedra ser pedra,
e deixar que o peso da pedra seja o peso
de viver nossas vidas do outro lado do muro
no outro tempo desdobrado,
e nos libertarmos, mesmo que um pouco, das roupas
que parecem cansadas, pensativas como se estivessem de acordo
com velhas memórias que não existem,
temos que nos libertar um pouco
para chegar ao país onde vivem os caranguejos azuis,
onde as lágrimas são aquarelas do paraíso
onde o coração do peixe e as velas do candelabro
iluminam os lençóis noturnos
onde há uma colheita de rosas com cheiro de espera
que floresce na inocência da noite,
podemos
chegar à nossa terra/mar e nos cercar
de maçãs inocentes
que brilham ao redor das esferas,
descansamos da nossa viagem de um país para outro
somos estrangeiras em todos os lugares
toda paisagem é um muro inútil,
oferecemos aos deuses ao longo do caminho
bebemos água, sentimos falta da terra em forma de corpo
porque fazemos parte das árvores
e nós podemos
pouco a pouco
tornarmo-nos estrangeiras mais de uma vez
lembrando que os avós também eram estrangeiros
e que com as mãos esculpiram o esquecimento.
Nós voltamos
pouco a pouco
e seguramos na lua cheia do espelho
de todos os nascimentos
e paramos de uma vez por todas
deixamos um nascimento brotar do subsolo
antes que chegue o dia
onde não falta ninguém,
a mesa está pronta
o tapete está com um olho só de tantos passos fúteis,
e com o olho solitário

deixamos ir o que nunca foi embora.


INOCENTEMENTE

A sala de água murmura verdades de outros tempos,
inocentemente,
eles permitem que descubras outros aposentos,
outras salas, outras antessalas, outras salas de jantar
onde os maus hábitos eram punidos.
Em um mundo invisível, sua alma assumiu o controle
para mapear seu destino.
Apagaste a faca de madeira e o pincel
com pelo de camelo. No jardim do templo
deixas mensagens secretas
em garrafas de vidro verde
transparente, deslizas por entre vários mundos
onde as ruas,
empedradas de mar, e as estátuas de sereias,
tentam marcar os jardins imortais da terra,
onde tua língua aprende a linguagem secreta da água.

Com um guarda-chuva embebido em água descobres tua origem,

brincas com todas as possibilidades da cidade da água
não queres perder a esperança
de que um dia tenhas sido um peixe,
e que todas as janelas de tuas guelras se abriram
para abolir a solidão dos humanos e poder iluminar
amor em todas as feras que buscam água salgada

em uma colher de mel antes do amanhecer.


PARAÍSO SEM BAGAGEM

Se o adeus não existir, se for apenas uma invenção momentânea,
se o paraíso também não existe e está tudo embrulhado em papel de loteria
com gosto de mar e céu, com cheiro de ferrugem óssea
com céus coloridos, com segundos de memória,
se o tempo também não existe e é apenas algo que pode ser dado de presente,
eu peço então apenas uma hora
para inventar despedidas
nos dias que amanhecem com lábios atrevidos
que ligam, que ficam, que vivem como um milagre,
aqueles dias doem ao passar pelas vilas de pescadores
ao ouvir a linguagem dos polvos
que com seus tentáculos pendem de um arame
para dissecar o dialeto secreto
e lembrar a cor da memória que não existe
porque ocupa e ao mesmo tempo está ocupado.

A maior revelação,
é o caos dentro de um guarda-chuva de Chagal
encharcado pela água dos ossos
é a invenção das despedidas e da memória
que se torna uma palavra que fica no fundo da água
silenciosa
que queima e nomeia,
no ventre da baleia cheio de sol e sal,

enquanto as paredes marítimas da casa sussurram,
a costela de Adão foi roída
e nasce com ar azul
de algum Chagal
para viver a hora em todos os relógios macios
que é infinita como qualquer queda sem pressa,
o rito é eterno

no fundo do precipício da água.


DIANTE DOS OLHOS

As estrelas habitam
a cartografia dos jardins.

O relâmpago foge da carne
e os ecos são uma romã pretendida.

Não há nada mais doce
ou mais amargo que a memória do presente.

A nudez das deusas revela
uma migração sem fim.

Cada pedra é uma palpitação.
Cada ausência povoa a geologia dos nomes

Seus corpos estão repletos de orgias de figueiras.

Cada movimento é uma memória da carne
do paraíso, da ternura e dos desejos.

Como dizer adeus às geografias dos pés antigos?
Como dizer adeus às geografias em aquarela?

Elas sobem as escadas
da terra, do céu e do mar.

A névoa cobre seu sangue
Elas estão cheias de retornos e amores.

Tudo é invisível
as estrelas não querem ver a própria luz.

Nuas sob os ombros
Elas sentem a água nas margens.

E dominam o alfabeto da noz.


MEDUSA SEM ROUPAS

Todo mito é a bebida quente da herança.

Medusa aparece na borda do cálice
seus cabelos indicam a direção do vento
e são o navio itinerante das baleias.

Seu olhar pode converter homens
em pedra. O mundo não é visível
é assim que os deuses o preferem.

Seus cabelos revelam as canções dos recifes
É bela e concisa como o apito de Meltem.

Medusa dispersa as ondulações de mil cobras.
Em seu ventre estão cozidas as galerias de ecos.

O rio corre. A pedra imutável da floresta
veste mil cabeças tatuadas na beleza do som.

O horizonte roxo está vestido de nuvens indecisas
seus cabelos dissipam a falta de esperança

seu olhar é forte como o mastro dos navios
e da vertigem dos morros converte em pedra

o incrédulo que caminha pelas estradas.


ARTEMISA NO LEITO

Com pérolas de âmbar e fragrância de flor de laranjeira
se enfeita para receber Orion
no leito dos sentidos.

Bebe a vastidão da água
para alcançar o Titã dos Titãs
o mago dos magos

espalha nas coxas
o ardor salgado da agitação.

Voa, voa em um eco espião
protegido pela lua minguante.

Artemisa abandona o arco de prata
para revelar a noite de caça

e terminar na queima do fogo
como dois cavaleiros em fúria.

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