Curadoria e tradução de Floriano Martins
Francisco Morales Santos nasceu na Guatemala, em 4 de outubro de 1940. Foi cofundador do grupo de poetas Nuevo Signo, com os escritores Delia Quiñónez, José Luis Villatoro, Roberto Obregón, Luis Alfredo Arango, Antonio Brañas e Julio Fausto Aguilera. Em 1998, o Ministério da Cultura e Desportos atribuiu-lhe o Prêmio Nacional de Literatura “Miguel Ángel Asturias” e em 2009 a Universidade de San Carlos da Guatemala atribuiu-lhe a distinção Emeritissimum. De 1999 a 2022 dirigiu a Editorial Cultura, do Ministério da Cultura e Desportos. É autor dos livros infantis Ajonjolí, 1997; Árbol de pájaros, 2006; Tejido de sueños, 2006; Estampas del Popol Vuh, 2006; Con ojos de girasol, 2006; Cuentos de la tradición oral guatemalteca, 2006; Con trabas en la lengua y Danza de adivinanzas, 2019. Sua antologia pessoal Asalto al cielo inclui os livros Escrito sobre olivos, Tenebrario, Cuerno de incendio, Cartas para seguir con vida, Ceremonial contra el olvido, Poesía para lugares públicos, Conjuros contra gangrena y tumba, Aliento de un largo amanecer, Artefacto, Al pie de la letra, Madre, nosotros también somos historia, Implicaciones del verbo amar e Escrito sobre fondo oscuro. Esta é apenas uma parte de sua produção poética escrita ao longo de 60 anos.
ALGO MUITO PESSOAL
Assim como os pássaros
amam as suas asas,
eu amo esse simples pedaço de papel
onde minhas palavras criam raízes.
É outro continente que descobri há muito tempo
e que dia após dia povoo
com a paixão do homem.
É um ponto de encontro
entre suas obsessões e as minhas.
De tal modo que seu ofício é ligar os pontos,
recolher sinais,
desvanecer fantasmas,
dar vozes de encorajamento à esperança.
A HORA TERÁ CHEGADO
Quando em meu país devastado
a primavera
decida que é hora
de florescer novamente,
terá o abono
da ossamenta humana
que espalhou por toda parte
a dança da morte.
Então,
toda a história crua:
a sitiada,
a oral,
a clandestina
será erguida no mapa.
Terá chegado a hora
de aproximar da terra
o coração e o ouvido
para ouvir as vozes
que tenhamos evocado
contra qualquer lei do esquecimento.
RESPLENDORES
Ao remover a terra,
um parêntese é aberto
e nele afloram fragmentos
de antiga cerâmica:
vasilhas, copos,
incensários, pratos;
aparecem pedras esculpidas e redondas
que terão que rolar por mais séculos;
figurinhas de jade de colares;
facas de obsidiana
com a sede saciada para sempre;
trilhas se erguem
que novamente dão início
à tarefa de contar façanhas
de cavaleiros tigres,
e em nome de seus antigos proprietários
falam assobios e flautas zoomórficas;
tomam forma:
um canal de irrigação,
um terraço,
um altar cerimonial.
Ao remover a terra, emergem
crânios e ossos:
alguns mostram inscrições floridas,
outros, o mais recente ontem.
A CHEGADA DE UM HOMEM
Recobrado o fôlego
não em minutos, mas em períodos
como aqueles que duraram
o amor sem esperança,
um sopro que tende a ser uma espada
mas para o peito é um caule
de raízes corajosas,
Teseu sobe
pelo sangue de um ser que não é dele,
em um século que o distancia
de casa e razões,
daquele minotauro cruel
trocado em miniatura.
Hoje não brilha, Teseu, como herói.
Seu papel como um mortal do século XX
com experiências antigas
prevalece diante do medo
e aquilo que parece invencível
se retira como uma sombra fútil.
CONFISSÃO A PENÉLOPE
Ao rebobinar a espera
prudentemente em eixos
de incógnitas medidas
isso lhe rendeu minha simpatia,
senhora cujo rosto até ontem
eu desconhecia
mas que hoje me foi revelado
na vizinha anônima,
um entre mil,
que borda no tecido da lua
a efígie do amado.
Sinto muito por Ulisses,
mestre da coragem,
porém tu, senhora,
conquistaste minha simpatia.
PRESENTE DE VANGELIS
Para Lourdes Chávez
Talvez síntese de uma mulher magra,
talvez sua palavra
de curta viagem
no ouvido do amante,
ou seus cabelos ou seus dedos
dentro da água em movimento,
a frágil melodia ascende
convertendo
o recinto
em
uma
flauta.
Tudo tem o acento
de uma ânfora
que esvazia lentamente
e que tocada pelo vento
à margem do mito
canta através dos séculos.