Mar nos Ossos – Poema de Juana Iris Goergen (Porto Rico, 1963)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Gladys Mendía

Juana Iris Goergen (Porto Rico, 1963). Publicou La sal de las brujas (1997), La piel a medias (2001), Las Ilusas/Dreamers (2008) e Mar en los huesos (2018). Foi iniciadora e co-organizadora por 11 anos (junto com o centro cultural Contra/Tiempo), na cidade de Chicago, do Festival Internacional de Poesia: “Poesía en Abril”. Recebeu o prêmio Contra/Tiempo cultura (2013) e José Revueltas Poesía (2017).


MAR NOS OSSOS

Sem corpo angustiado, trêmula a alma…
Evaristo Rivera-Chevremont

I
Se perder a batalha,
quero que guardem minhas cinzas na caixinha entalhada da avó.

II
Levem-me lá, onde já sabem.
A Ele quero voltar definindo na pura transparência de suas águas minhas sombras,
e as sombras de tubarões e recifes,
sua língua acariciando o fixo litoral de minha memória,
chamando-me à entrega
chamando-me sem trégua a seus origens
−a lua que olhavam os caldeus, a bússola incessante, o astrolábio,
a conquista de reinos pela força imortal de seu tridente, o peso de tesouros em balança−
chamando-me, chamando-me à origem, ou seja, às algas escondidas nas virilhas
onde só seu gesto poderia colhê-las sem erro em minhas cinzas –soma de meu eu ausente−
esvaziadas pela chuva.

III
Amanhã, quem pode prever?
talvez seja em suas águas rio, oceano, mar morto ou mar de mortos
com quem será meu encontro?
será Ofélia?
ou encontrarei em suas águas náufragos de outras ilhas
marcando as vorazes estações desta íntima viagem a seus interiores?

IV
Quero voltar ao coração do velho mar das Antilhas
dormir entre suas águas, entregues minhas formas
que só junto a Ele são verossímeis.
A perfeita equação: a pérola azul adormecida na infinita soma de seu espaço
Onde posso chamá-lo mar azul ou azul mar ou apenas mar, mar, mar
e em cada monossílabo seu nome muda.
É a oculta matemática de encontros
espelhos do osso contra o osso
feito cinzas
onde Ele e eu
somos o exato
em unidade crescente.

V
Levem-me na caixinha entalhada da avó
a buscar os poemas ocultos em seu seio
a deixar que minhas cinzas irrompam de repente em sua garganta.
E ria com minha risada de poeta feliz o velho mar Caribe
e devolva o resto de seus mortos à orla –porque sim−
porque é belo o músculo e o seio
o plenilúnio em convulsão, o sal, a planta,
o fêmur, a nostalgia,
um batimento feliz de cinzas e o aroma celeste de um peixe e de um suspiro.

VI
Perpétua habitará minha vida em sua memória
água passando e passando
de um poeta a outro em cada linhagem;
minha gratidão nos andaimes de sua espuma
que não termina
que não termina
que não termina.

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