Curadoria e tradução de Floriano Martins
Malena Luján (Montevidéu, 2001). Poeta, atualmente é aluna avançada do Técnico Universitário em Correção de Estilo (TUCE) e do Técnico em Dramaturgia (TUD) da Faculdade de Humanidades e Ciências da Educação, da Universidade da República, no Uruguai. Trabalha como redatora em revistas culturais, projetos acadêmicos e projetos literários privados em seu país. Ela também se dedica a coordenar oficinas de escrita criativa com crianças e adultos. Publicou seu primeiro livro de poesia pela editora Susana Aliano Casales, Con la memoria en los ojos (2021). Recebeu menção especial do Prêmio Casa de Escritores, edição 2021. Recebeu o primeiro prêmio do Prêmio de Poesia Inédita, da Fundação Nancy Bacelo, Ideas + e Casa de Escritores del Uruguay com a obra La imagen del viento (2021). Publicou seus textos nas revistas literárias Círculo de Poesía, Vadenuevo, Kametsa e Casapaís. Publicou os fanzines Palabra (2019) e Abrazo a tiempo para un amor a destiempo (2020). Publicou a antologia Despiértenme si todo termina (Luna Insomne, República Dominicana, 2023). Sua última coleção de poemas intitula-se Potrilla (Susana Aliano Casales, 2023).
[HÁ TARDES EM QUE NÃO MEREÇO O LIVRO]
Há tardes em que não mereço o livro,
o café, na mesmo a tarde.
Eu não mereço pássaros que me
atravessem a luz
muito longe de mim mesma.
Não, não mereço os seios de loba azeda
que deixa a noite toda aberta
em minha cama,
nem a brancura de nenhuma flor
abrindo-se em meu ventre desenhado.
Pouco a pouco,
vão me tirando o direito
às asas do mundo.
Não mereço essa saúde,
sou uma erva daninha imperdoável.
Tampouco mereço ter a força
que me faça parir a mim mesma todas as tardes.
[EM TODO LUGAR É TARDE]
Em todo lugar é tarde,
eu tenho o ventre
inchado de horas.
Eu não quero mais ver facas
em vidas gotejando fome,
vestígios de migalhas,
pão de ontem
Em todos os ossos
é tarde.
De um tempo para cá
só se escuta a voz da névoa.
[PARA QUE EU TENHA ESSE NOME]
Para que eu tenha esse nome
devem ter voado tantos pássaros
que agora fazem o chão,
tanto pivete com fome
e tanto rio cruzado
(tanta cruzada e liberdade murcha).
Tanta língua morta, massacrada,
tanta palavra bem enterrada,
perdida.
Para que eu me vire, reaja
e me reconheça em uma foto,
para que saia tanto leite desta vaca,
para que tanta lança marque o ar.
Para que a gente cante o que canta
com essa voz que vem da rua.
A história me dá tanto nome,
tanto sangue lhe cabe,
para que meu nome
sustente em meu rosto
esse tipo de pele branca,
olhos azuis.
[ENTRE A PELE E O OSSO LIMPO]
Entre a pele e o osso limpo
existem apenas fotografias.
Então eu olho as minhas mãos
um pouco mais cinzas.
O meio-dia não quer
trazer torcazes,
o vento não beija
a fronte de ninguém.
A mão,
cansada do naufrágio,
relaxa o punho.
O remo desce o rio.
Não existe mais criança, brinquedo,
ou canção redonda
para cantar à morte.
A mão é uma trincheira
e não encontramos talho
para sangrá-la.
[TENHO DORMIDO EM CAMAS]
Tenho dormido em camas
úmidas como um bosque
profundas como hortelã,
Dormi em camas amarelas,
azuis
e em outras quase negras.
Dormi longe,
nas margens do vento.
Meses inteiros cultivei fantasmas
que me encontraram vestida
uma terça-feira
ou estendida no tapete
de um sótão.
Estive de joelhos em camas
sem fé, estive solitária
em cama alheia,
e hoje, que estou disposta
a encontra-lo,
o sonho permanece
inacessível.