Carlos Parada Ayala (El Salvador, 1956)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

A poesia como disciplina artística é um compromisso de ordem vital, isto é, essencial para a existência. Em outras palavras, é difícil conceber a humanidade sem um caráter inerentemente poético. Vale, nesse sentido, tentar imaginar um mundo despojado de música, escultura, pintura, arquitetura e da palavra poética. Sem esses elementos, a essência de nossa própria humanidade estaria perdida. Vista como expressão vital, a poesia pressupõe esforço, compromisso, cultivo. Isso tende a ser mais claro em disciplinas como música e artes plásticas. A poesia, por outro lado, muitas vezes é percebida como um dom. Esse dom você tem ou não. Os verdadeiros poetas entendem a necessidade de sensibilidade poética, mas também entendem a poesia como um ofício. Eles rejeitam a premissa de que a poesia é apenas um dom. A linguagem promoveu de maneira única o desenvolvimento do cérebro humano e a poesia, como ponta de lança da expressão linguística mais complexa, intensifica esse desenvolvimento. Nesse sentido, creio que é na poesia onde se encontra o germe de um novo ser humano, mais justo e magnânimo. É, portanto, essencial cultivá-lo. Não aspiro a uma única voz poética. Aspiro explorar a poesia no plural, em suas muitas vozes. Agradeço, portanto, as letras que moldaram os poemas que emergem desse eu: Sor Juana Inés de la Cruz, César Vallejo, a Geração de 27 na Espanha, Claribel Alegría, Roque Dalton García, Pablo Neruda, Vicente Huidobro e a expressão poética das diásporas latinas nos Estados Unidos, onde vivi por mais de meio século.

CARLOS PARADA AYALA
“Un compromiso de orden vital”, Esferas del tiempo, 2020.


BALEIA

As casas caem convertidas em lascas.
As palmeiras são derrubadas
como fósforos queimados.
O céu explode e se estilhaça
espalhando gotas que descem como balas.
O sol rachou cuspindo raios,
trovões mudos de uma luz perdida na Via Láctea.

Não restou ninguém.

Todos fugiram desterrados pelas sombras.
Seco, o maremoto lança seus terríveis golpes.

Abro os olhos. Ausculto-me.

Meu coração avança como uma baleia
à deriva em terra firme.
E eu, sozinho no centro do mercado,
não sou mais do que um furioso caçador
afiando os arpões frios
de uma interminável e vil melancolia.


VAIVÉM DE FANTASIAS

Os Argonautas se abrigaram
no escuro de meus sapatos
e um dragão azul me ajudou
a acender o fogão.
O céu limpo se escondeu
nas gavetas do armário,
o que explica o silêncio
dos pássaros e o excesso
de névoa na roupa que eu vesti.
Hoje a solidão é um vaivém
de fantasias.
Melhor assim.
Ontem o dia desencadeou um
furacão de anzóis
que deixou o mar vazio
e no sol umedecido
como olho de baleia ferida.


ELEGIA VEGETAL

Há uma árvore ou amor que flutua como nuvem verde,
ou pássaro voando a caminha do fundo. Trino, trino
de ressurreição falida suspenso sobre anéis
que se expandem concêntricos como a dança
das ondas respondendo ao contato de uma lasca.

Cortesã, córtice: corte são de machado mudo
venho te beijar e me arrependes. Comovem
teus tentáculos torcidos no lenço dos céus.
Brilham as estrelas como sementes alarmadas.
E tuas flores teimam com os bicos das aves.
Encurralado, no fundo de um poço, me bebes todo.
Estou seco como lábio de pedra na areia do deserto.
Secura da lua sem atmosfera, mendiga sedenta
de maltrapilho firmamento. Língua ardente como carapaça,
rezas a tua penúltima palavra no peito imberbe
de um rosário. Eu respondo, maravilha verde,
nuvens de trovões, na raiz de tua prece moribunda,
perfurando tua garganta com o fio do estalo. Raio!
Luz que acende medular o teu corpo estilhaçado,
emaranhado nos ninhos de pássaros sedentos.


CINELÂNDIA

O que houve comigo?
Gregor Samsa

O esquilo rói as grades.
Quem pensa em trancar
um esquilo em uma gaiola de madeira?
Os esquilos nunca foram pássaros.
No entanto, aproveito o deslize
e trato de fugir. Levanto voo
apesar da corrente no pescoço.
No casulo, espalhada,
a colônia de vermes.
O esquilo devora o longa-metragem,
a fome de entrar em cena,
a fome do protagonismo
na tela grande.
O esquilo morde meu dedo.
Aqui está a cicatriz.
Eu ardia de dor e me pegaram.
Não tiveram coragem de me aniquilar.
Temiam arder.
Então me puseram em um saco.
Subiram em um jipe
e desceram em um bosque distante.
Indignados, ali me soltaram:
a corrente no pescoço.
Eu esquilo no topo de um coqueiro.
Ele queimou levantando voo na lente do crepúsculo.

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