Dina Posada (El Salvador, 1946)

| | ,

Curadoria e tradução de Floriano Martins

É difícil determinar nossas próprias influências. Quando muitos poetas são lidos, os vários vestígios ficam gravados no subconsciente e aí se entrelaçam sem poder precisar na hora de criar quem dita o ritmo.

Quanto às minhas inclinações estéticas para certos poetas hispano-americanos, seria uma lista interminável. Às vezes, e sem conhecer toda a sua obra, um autor nos chama repetidamente pelos seus versos, como é o meu caso com João Cabral de Melo Neto. Mas existem poetas importantes aos quais se volta voluntária ou involuntariamente com uma obsessão saborosa. Não troco por nada a força de Neruda, a linguagem inovadora de Vallejo, a riqueza verbal de Octavio Paz e, acima de tudo, os hendecassílabos perfeitos e medidos onde Borges, com sabedoria incomparável, soube esconder sua própria experiência em personagens e acontecimentos do passado. Eternamente magistrais Quevedo e Lope de Vega. Continuo com a Geração de 27 e termino com Olga Orozco e Dulce María Loynaz.

[…]
Se se trata de avaliar vozes com presença no aqui e agora, devo me referir a Roque Dalton, embora ele já tenha aquele reconhecimento local e internacional. E é imperdível mencionar Claudia Lars, a Poeta Mãe salvadorenha. Ela é uma referência incontornável no que escrevemos as mulheres de El Salvador. Claudia Lars é uma poeta completa e estranhamente, ela raramente sai de nossas fronteiras. Minha afirmação é apoiada por seu extenso trabalho de forte expressão e profundidade existencial.

[…]
Devido à falta de entusiasmo das editoras, as chances de publicar poesia são cada vez mais difíceis. Os livros de poesia surgem em número reduzido de exemplares e, na falta de boa distribuição, ficam a vaguear no mesmo país, entre os mesmos escritores interessados em não desperdiçar as suas energias na promoção do estrangeiro senão do seu próprio, talvez com um título de amigos ou de seu grupo geracional.

Os poetas deveriam ser mais solidários e parar para pensar: ninguém pode ofuscar uma obra valiosa, mesmo que tentemos ignorá-la ou apagá-la do horizonte. A verdadeira poesia não pode ser silenciada. Quanto mais um trabalho se destacar, for aceito e divulgado, melhor será a nossa produção, pois nos compromete a dar saltos cada vez mais altos.

Para amenizar essa deficiência, também seria importante o apoio do governo, cuja principal desculpa é a falta de recursos. Mas como não se pode pedir peras ao olmeiro, pouco podemos esperar de nossos políticos que, por sua vez, não têm cultura, não amam a arte e muito menos curiosidade em conhecer as verdades sublimadas do ser humano.

As duas soluções imediatas e expansivas são a Internet e os encontros de poesia como o Festival Internacional de Poesia de Medellín. Na rede, mais páginas de poesia estão com urgência em mãos responsáveis e conhecedoras, com o sério compromisso de divulgá-la de forma objetiva, deixando de lado o Poderoso Senhor Dom Ego e favoritismos de natureza amigável ou ideológica.

DINA POSADA
“Defesa da poesia”, depoimento a Floriano Martins, Projeto Editorial Banda Hispânica, 2011.


PRECE AO ORGASMO

Alheio a meus pensamentos
fugiste para um casto silêncio

Hoje
que meu sangue te busca sedento
nem mesmo a golpes ou rogos
te insinuas

alheio prossegues
rigoroso e oprimido e longamente obscuro
como corredor de desolado convento

Tu
anjo da dura delícia
apático orgasmo rebelde
eriçado tremor
vulnerável pólvora

volta para mim
e me aniquila


FOGO SOBRE A MADEIRA

Após romper o áspero
castrador
hostil
ferrolho das ataduras
apunhalei o pecado
caindo agônicas
as minhas travas e culpas

Deixei de pedir permissão para viver

Disposta a te conhecer
abri teus braços em cruz
– cristo de minhas paixões –
e afundei o sabor
de minha presença
em teus pés
em teu pescoço
na branca praia de teu dorso

Ao te percorrer fui crescendo
folha de teu galho
galho de tua árvore
árvore de teu bosque
folha louca ao vaivém
de teu eloquente tronco

Meu despertar empinando
Febril
caminhei e circundei tuas alturas
e teu sexo brotou
deixando sua vasta chuva
em minha gotejante terra nova


OS LAÇOS

Há na rua
um cheiro de vidros estilhaçados
e no ar
a embriaguez da queimadura

Afundas
no ventre da casa
apalpas suas paredes chegadas
– entranhas que sem pudor
te mostra a sala moribunda –

A voz enferma
das dobradiças
fala
dos nós cegos
das ausências

e alucinado escavas
por umas cinzas
enlaçadas ao teu nome


LUAS DE SANGUE

O tempo crucifica
o silencioso rio de minha infância

da ferida descendem
luas férteis confusas
que no compasso de pausas
devastarão o rosa de meu ventre

minha vulva o adverte
conjugando leis fulminantes
em todo meu corpo

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!