Curadoria e tradução de Floriano Martins
Delfina Acosta (Paraguai, 1956). Poeta, narradora e jornalista. Embora seja química-farmacêutica de profissão, desde muito jovem se dedica à criação literária. Seus primeiros poemas aparecem em Poesía itinerante (1984), uma publicação coletiva da Oficina de Poesia Manuel Ortiz Guerrero. Publicou posteriormente duas coletâneas de poemas: Todas las voces, mujer… (1986) e La Cruz del Colibrí (1993). Delfina Acosta é uma das autoras publicadas no livro Cuentos latinoamericanos, editado por C. C. Buchner, Alemanha, 2009, dentro de sua série “Prismas do mundo hispânico”, dedicada à aprendizagem do espanhol através da análise de histórias de diferentes escritores latino-americanos. É colunista do jornal ABC Color; faz comentários literários sobre os escritos de poetas e narradores paraguaios no Suplemento Cultural do mesmo jornal. Atualmente dirige a Oficina de Poesia da Universidad Iberoamericana.
***
Ninguém menos adequado do que o próprio autor para falar de sua obra. O que posso dizer sobre meus poemas de amor e loucura? São, enfim, pobres flores órfãs; embora pensassem ter encontrado na minha sombra e na minha solidão, mãe generosa, quanto medo toma conta da minha alma, quantos sentimentos confusos me arrastam, se pronunciam o meu nome. Quero fugir deles, quando os vejo chegando, famintos, aos meus pés. Eles sobem pelos meus ossos como hera. Dançam na minha alma não sei que ritmos estranhos. Celebram o amor e o mal de um jeito que eu não entendo, mas ao mesmo tempo me agrada. Eu queria ser uma boa mulher, uma das senhoras piedosas, mas aqui estou eu, com meu gospel torto e meu canto transformado em escândalo por causa deles. Por sua culpa! Eu os amo. Eu ainda os amo, especialmente à noite. Eles dizem as palavras que eu tanto queria dizer. Por sua vida minha existência conversa com Deus e com demônios. Eles me fazem cair na tentação da carne. Estaremos sempre juntos, além dos séculos. Eu acredito neles. E eu preciso acreditar que eles acreditam em mim.
Delfina Acosta / 22 de mayo de 2007
INIMIGO
Meu pior inimigo, tu que me amas
como uma chuva cega que ao cair
se espalha, se ergue, se espalha. Meu inimigo,
eu te coroo amante, povo e rei.
Com uma hera me amarras os cabelos
e conheces a verruga que é meu cravo.
Quando o jasmim de seu orvalho pende
e cheira a uma flor pisada anteontem,
com a ronda impaciente de teus passos
sob a tua sombra eu venho florescer.
Se não te amasse, nunca te odiaria.
Não te vás, inimigo, eu vou perder.
Quem me perdoará? Por quem meus versos
cairão de minha tristeza no papel?
Tu, meu inimigo. Eu, tua inimiga.
A morte não vai congelar nosso querer.
ROUPAGEM
O mar é minha roupagem: assim nua
como uma onda enorme eu chego a ti.
Meu momento, a tempestade e os relâmpagos,
e a montaria de meu amor é o vento.
Não retorno: apenas vou porque meus passos
são como a grama que é a paixão do fogo.
Eu sou a fera com os cabelos compridos
que lambe a outra língua que é o beijo.
Na forma de pedra me encontro à vontade
porque o meu silêncio é tão duro
que a dor do mundo não o vencerá,
nem a gota de veneno do ódio.
O mar é minha roupagem: assim nua
como uma onda enorme eu chego a ti.
Em minhas mãos da água suja brotaram
as flores venenosas destes versos.
HADES
Primeiro sinal: as tuas lágrimas saem,
e escreves, sem querer, versos melhores.
As luzes da rua se apagam,
porém teus olhos brilham mais atentos.
E há dois sinais: se com ele cruzares
é como se te virasses para vê-lo.
A cerração que cai sobre tua alma
faz com que presumas que já é inverno.
Se escutei histórias na minha vida:
Era uma vez ela desceu ao inferno
onde perdeu seu amante. E havia uma alma
eternamente apaixonada por um fantasma.
E há mais relatos. E este é muito raro:
Diz que ao bosque irá por um momento.
E te beijará como alguém que quer mais
fósforos. Jamais voltarás a vê-lo.