4 Poemas de Shirley Villalba (Paraguai, 1974)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Shirley Villalba nasceu em Coronel Oviedo, no Paraguai, em 1974. Seu primeiro livro de poemas se chama Penumbra hembra (2005), logo seguido de Transparencias (2008) e Animal Marcado (2015), este último integrando a coleção “La Hoja Murmurante” da editora mexicana La Tinta del Alcatraz. Outros poemas de sua autoria foram incluídos em antologias internacionais, como Latin American Poetry hoje. 20 Países, 50 Poetas (México, 2011). Atualmente é codiretora da organização e execução do Festival Anual de Poesia Umbigo Lírico, um dos eventos de poesia artística de maior repercussão no Paraguai.


[SE ALGO PODE SER ADICIONADO]

Se algo pode ser adicionado acerca da poesia e sua função pacificadora, se fosse possível dizer algo, alguma insignificância, como se para confrontar a própria escrita com seus próprios restos e mergulhar nesse mecanismo interno da existência, escavar a tradição e nas distintas expressões. E dessa maneira ir sem presunções ou ideias concretas, apenas ir – como se fosse – em direção ao fogo.
É a partir desse aspecto indeterminado, contundente e inflamável da poesia, de onde me interessaria abordar alguns pontos, no que diz respeito ao seu ofício, talvez pacificador e, por vezes, contraditório.
Nas ruas, a luta pelo humano desafia os constantes atropelos do poder se faz através da palavra, da pintura, da música e de outras formas de poesia.
Todas as vozes estão lá fora. Eficazes ou não. Jamais seremos capazes de compreender plenamente a real influência dessas manifestações espontâneas e inequívocas do instinto coletivo, que emanam – talvez – desse resíduo ardente de que somos feitos.
Há algo enorme e secreto no que desconhecemos. O mundo da poesia sempre deixou sua marca fumegante no semblante das pessoas e o fez – infinitamente –, desde a clandestinidade de sua condição de fogo invisível.


Entre sobrancelhas ou atrás das grades
da sobrancelha à cerca um trilho de espinhos me coroa
este inferno vertebral de caveiras me agoniza
esta escravidão de placenta cortada me alimenta
a orfandade que empurra minhas entranhas me aborta e me aborta
sou um fantasma de mãe não parida
meus úberes secos gotejam sua ferrugem em coalhos
oh, castigo de útero castrado
oh, bastidores fraturados dos meus olhos
e oh, estou mancando em meus retratos


Minha vó e eu – ou eu mamando
cada noite estéril, desmamo fetos nos ossos de minha cama
e meus olhos sangram gotas de espelhos que falam comigo
e um sopro retorcido de tragédia diária em coalhadas me apunhala
e eu escondida em minha Vó, amamento sombras com a mesma solidão que a noite derrama em mim
e trituro sem olhar


CINZAS E FLORES

Em memória de Rainer María Rilke

não tem mãe, este sentimento de vazio lento
e meu seio é um filho de mamilo faminto
não tem pai, este coração de estrondo solitário
e minha fronte é uma criança de alegria envelhecida
não tem idade, este transcurso sem tempo
e meu corpo está tresnoitado de nostalgias
e eu sou apenas um livro de cinzas e flores
escrevendo um rosto sobre meu nome

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