Da Colheita – 2 Poemas de Mírian Freitas

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Mírian Freitas é doutora em Literatura Comparada e  profa do Núcleo de Línguas do IF Sudeste, Juiz de Fora. Publicou Intimidade vasculhada (2006), Exílios naufrágios e outras passagens (2016), Quase (2019),  Caio Fernando Abreu: Uma poética da alteridade e da identidade ( Ensaio Ilustrado/2020), Quando éramos pássaros e outros poemas abissais (2021), Mosaico (2022), A memória é uma oficina de ossos (2023). Organizou a Antologia poética Alento, finalista  do prêmio VivaLeitura (MEC e MINC- 2016). Integrou a obra Mulheres: prosa de ficção no Brasil 1964-2010 (2011); participou das seguintes antologias: I Antologia dos poetas lusófonos (Portugal), Hilstianas I (Instituto Hilda Hislt, SP), Antologia Patuscada I, Um certo Rosário,  Poemas no ônibus e no trem (Casa da Cultura/POA, RS) e outras. Realizou entrevistas com o poeta Gilberto Mendonça Teles (Ed. Galo Branco) e  Benjamin Moser, biógrafo de Clarice Lispector ( Ed. Escala). Possui diversos textos em prosa e poesia publicados em revistas e jornais impressos e digitais do Brasil, Portugal, Peru e Colômbia.


Da Colheita (poemas sobre o massacre  á  Palestina)

 
1.
Nesta oração para cessar fogo
entre Israel e a Palestina
invoco o profeta Muhammad
com sua fé de ouro
com seu rosto iluminando
a escuridão da caverna:
− fruto de sua morada −,
e peço-lhe
que cubra os filhos da terra
com um enorme guarda-chuva de cobre
protegendo-os
dos fogos, dos bombardeios
da penúria. 
Rogo por misericórdia,
alimento o coração de esperanças
subo os degraus da compaixão
e lamento pelos corações espatifados
pelas armas da cobiça e do ódio.
Suplico, imploro
                as bênção 
                                  de Allah
no plantio e na peleja da colheita
pelos  frutos da paz.
 
2. 
A criança no meio do nada
esfrega os olhos machucados pela  fumaça negra
da morte
enquanto lágrimas caem como pedras
dos pequenos olhos arregalados:
 − duas tâmaras adocicadas
no deserto de Jerusalém −
A criança, perdida em meio aos escombros,
não consegue mais dizer o nome das coisas
o trauma bombardeou sua língua 
 o mundo emudeceu seu espírito
 as chamas queimaram-lhe os sonhos.
Nesta tempestade de bombas e  horrores    
nenhuma nuvem no céu de pólvora e gatilhos
nenhuma mãe pedindo por esperança e absolvição
dos filhos.
Onde estão todos? 
Os mísseis caíram do céu entre nuvens e a poeira cósmica
explodindo cometas e afetos.
Espatifando pernas, braços, cabeças.
Mães, pais, avós, irmãos, tios, primos
− quem mais falta para ser morto?−
 Nas réstias do sol
só  ficaram os pedaços de gente:
− fragmentos da  carne embrulhados
                                                 em mantos de poeira −.  
 Aos reféns da guerra 
                 nada  mais importa 
a  não ser a dor
de sentir as mariposas dentro do crânio
os  alfinetes cravados nas retinas
os túmulos de ossos no corpo das ruínas  
e a amargura de um tempo sem colheita. 
.  
 

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