10 Poemas de Sean Salas (Costa Rica, 1997)

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Curadoria de Elys Regina Zils
Tradução de Gladys Mendía

Sean Salas (Heredia, Costa Rica, 1997). Autor dos livros Alter Mundus (El Ángel Editor; 2021), Cidade Gótica (Nueva York Poetry Press; 2022) e Fantascópio: Antologia Breve (Cölmenart; 2024). Vencedor do VIII Prêmio Internacional de Poesia Paralelo Cero, no Equador. Foi antologado dentro e fora de seu país e amostras de sua obra aparecem em diversos suplementos literários.


LENDO A LAFCADIO HEARN

Novamente o mesmo sonho:

subo a montanha de crânios
que me pertenceram em vidas passadas
e justo quando chego ao cume
acordo chutando
dentro do ventre materno.


POEMA CONFESSIONAL DE SYLVIA PLATH

Ela lê contos de fadas para seus filhos
para que adormeçam cedo.
Prefere ficar acordada sozinha
queimando cantos de fotografias,
tomar seu tempo
quando posa diante do espelho
com vestidos para funerais.

O insônia a atravessa distraída
como quem boceja diante de uma paisagem
que vê todos os dias,
não tem nada a falar
com seu travesseiro de pedra.

Seus filhos fingem dormir
para que ela vá embora rápido,
sentem medo quando ela pergunta
se também podem ver pela janela
aos amantes fazendo piquenique na lua,
não entendem por que ela sorri
quando se corta com uma página.

Diante do que é melhor não conhecer
ela protege o rosto deles com a mão
mas os deixa olhar por entre os dedos.

Na mesa onde seus filhos
brincam de tomar chá
ela convida a morte para sentar-se.


A DESPEDIDA

(Remedios Varo)

Apagaram o fogo que sentiam
quando suas sombras estavam prestes a se beijar.

Não saberão se eram um para o outro.
Ambos tomaram seu próprio caminho
em direções opostas,
atalhos para uma solidão
que ainda não deviam conhecer.

Nenhum dos dois queria se despedir,
ambos cederam a pronunciar o adeus.
Só um gato que observava a cena
sabe quem errou primeiro.


YETI

Yeti, teus parentes os ursos podem contar-te
do que são capazes os humanos
quando querem domar algo que deixa pegadas
maiores que as suas.
Yeti, te oferecerão um zoológico com toda a neve que desejas,
farão casacos e tapetes com tua pele.
Não dês provas da tua existência
cedendo teu esqueleto aos museus:

os tiranos sempre o souberam;
para se apossar de uma vida
a melhor isca é a eternidade.


ARTE POÉTICA DOS ENTS

a J. R. R. Tolkien

Pensar as palavras o dobro de tempo
que levarão sendo escritas:

fazer que valha a pena o eco.


BUSCANDO TABAQUERÍA

Recomeçar ridículas cartas de amor e fingir a dor que todos sentem, assim se desenvolvem guelras para respirar pela ferida. A tinta não pode lavar a pólvora de nossas mãos e os anos mancham de branco as ideias. O puxador da porta gira nesta casa sozinha de onde escrevo e semi-cerro os olhos como quem estuda uma tela, minha visão embaça o que cobre os ossos dos vivos e dos mortos. Nunca gostei de moldar as nuvens ao meu olhar, prefiro imaginá-las carregadas da eletricidade ou da chuva do meu estado de ânimo. Grandes e pequenos deuses sentam-se a beber em minha mesa, sempre escutam uma história diferente quando lhes conto da minha ferida que não cicatriza.


O RESTO CONFESSAREI NO INFERNO

como se eu fosse um personagem de Sófocles

Negociarei com ele
como o policial que tenta libertar reféns.
Estou disposto a tudo
menos a torturar gatos negros.

Na noite só escuto ruídos com explicação lógica.
Nada do além se mostra em minhas fotografias.
Talvez os fantasmas sejam como um arco-íris
que desaparece se o olho diretamente.
Estas almas penadas só querem ser vistas de relance.

Não ressuscitaria a ninguém.
A ninguém posso amaldiçoar com a imortalidade

Onde está o diabo quando se precisa?


ZOSO

O que eu preciso são férias prolongadas
em um lugar assombrado como a casa Boleskine.
Contam que em seus corredores se ouve
uma cabeça rolando e orações dos monges
que sem perceber morreram queimados no interior
enquanto desfrutavam de uma orgia ocultista.

Me faria bem perder a cabeça,
transformá-la em uma lâmpada para os lunáticos
como fez Bertrán de Born,
relaxar batendo meu crânio contra a parede
ao estilo do suicida Pedro Desvignes
ou brincar com o monstro do Lago Ness
como se minha cabeça fosse um galho e ele um cão de caça.

Seja o que for para silenciar
o monólogo de Hamlet dentro de mim.
A última expressão do decapitado
nunca é pior do que o olhar do homem vivo
incapaz de ignorar a dúvida existencial:
ser ou não ser.


ALICE EM LINGERIE DE LÁTEX

Por enquanto continua a salvo
meu segredo mais bem guardado.

Sou minha própria droga. Desfruto de falar sozinho
como o tímido dançando quando ninguém o vê,
como Hemingway lendo em segredo a Faulkner
ou Faulkner lendo em segredo a Hemingway.

Minha boca é um rifle com silenciador.

Não invento amigos imaginários,
invento meu duplo de ação.
Falo comigo mesmo,
cito filósofos clássicos,
muito frequentemente me ofendo.

Eu pergunto. Eu respondo.
Não sei como calar minha boca.
Falar sozinho é um pequeno prazer
que me evita grandes crimes.

Do meu chapéu tiro coelhinhas da Playboy.

Quem aprender a ler lábios
saberá o quanto desfruto
no País das Maravilhas dentro da minha cabeça,
eu e Alice nus diante do espelho,
ambos derretendo cogumelos com a língua
para modificar nossos corpos.

As mentes criativas
podem saborear os frutos proibidos
que nunca caem da árvore da realidade.


RELÓGIO DE ALFRED KUBIN

Nas antigas guerras, após a batalha
enviavam-se soldados para cravar suas espadas
em cadáveres inimigos,
assegurando assim que realmente eram cadáveres.

O homem sempre esteve em guerra
contra o esquecimento,
contra um mundo que não para de girar.

O futuro está sempre se afiando
na rocha do presente:
mais cedo ou mais tarde
fará
rolar
nossa
cabeça.

Nada tem mais fio do que as agulhas do relógio.
O tempo é o soldado enviado pela morte.

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