3 Poemas de Marcia Mendieta Estenssoro (Bolívia, 1992)

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Curadoria de Elys Regina Zils
Tradução de Gladys Mendía

Marcia Mendieta Estenssoro (Bolívia, 1992) é poeta, narradora e comunicadora. Realizou o diploma em Escrita Criativa na Universidade Privada de Santa Cruz de la Sierra (UPSA), onde agora é professora, e o mestrado em Escrita Criativa pela Universidade de Nova York (NYU). Publicou os livros de poemas “A casa que nos habita” (Llamarada Verde, 2017) e “o que mais resta quando” (Ed. 3600, 2022), bem como a plaquette digital “O corpo é uma válvula de destruição” (2019).


AS MULHERES DA MINHA CASA

As mulheres da minha casa
vestem-se de risos certeiros:
antídoto sutil
para suportar o calor dos dias de verão.

O riso as fere
quando esquecem de tirar do armário
os desejos vazios
os frascos de amargas poções
a chuva aguda do inverno
e as feridas costuradas com sal.

As mulheres da minha casa
pronunciam idiomas próximos
com ritmos distintos.

Defendem sua fé
com fé
e afugentam seus medos
com medo.

As mulheres da minha casa
acreditam ser imortais
porque descobriram
a receita para andar leves
mesmo carregando memórias antigas
em bolsas de viagem.
Reconhecem-se poderosas
por esse estranho costume
de fazer tremer a casa
e em instantes
reconstruí-la.


A CASA QUE NOS HABITA

Minha raiz entrelaça uma alameda,
a dela uma cidade branqueada.

Para mim o exterior está mediado por uma grade,
para ela se intromete pelos balcões.

Minhas lágrimas misturaram-se com o brilho de azulejos vermelhos,
as dela espalharam-se pelos pisos de madeira encerada.

Minha casa contempla o céu desde a planície,
a dela distingue o solo do terceiro andar.

O calor da minha casa mistura-se com o calor da cidade que a envolve,
o calor da dela contrasta com a brisa da altura que visita suas ruas.

Ela conhece minha casa,
eu conheço a dela.

Com o devir das vidas futuras,
continuaremos nos encontrando nelas,
duas almas contíguas que se cruzam
pelos corredores comuns
da memória.


GENEALOGIA

Como saber se a raiz está bem ajustada
como perceber que os primeiros brotos
resistirão às primeiras chuvas
a ameaça do sol
o frio repentino

Como compreender os sinais visíveis nas folhas
a curvatura do tronco
o diâmetro dos ramos
a capacidade de abrigar insetos

Como intuir os círculos concêntricos
a doçura da seiva

Como deduzir de onde vem seu canto
de onde as memórias
seus frutos

Como entender quanto ar é ar suficiente
quanta água é água suficiente
quais quantas são as palavras

Como se entregar à terra
Como preservar o equilíbrio
como
aprender
a suportar
as renúncias.

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