Curadoria e tradução de Elys Regina Zils
MANUEL MARTÍNEZ (Nicarágua, 1955). Publicou: Tiempos, lugares y sueños, finalista do Prêmio Latino-Americano de Poesia Rubén Darío (1986), Juegos de azar (Contos, 1996), Engranajes del tiempo (Poesia, 1997), Esta noche baila Orestes Rey (Contos, 2001), Mayangnas hijos del sol (Estudo socioetnográfico, 2002), Canción para Eva (Poesia, 2004), La rueda de la fortuna (Romance, 2005), Pasada de cuentas (Romance, 2008), Nadie me niegue vivir (Poesia, 2012), La gloria eres tú (Romance, 2013). Foi secretário-geral do Centro Nicaraguense de Escritores (1996–1997) e presidente do mesmo centro (2016–2017).
NINGUÉM ME NEGA VIVER
Para Melissa Solórzano
Ninguém me nega viver estas horas
de alento e ânimo
serão as últimas que me restam?
Ouço na penumbra uma voz
que me chama
e incerto vou ao seu encontro.
É o sussurro do anjo na penumbra
e prendo meu corpo ao seu lado
alvo, alado,
deixando-me levar pelo ar.
Nunca ninguém me nega
o que devia fazer comigo,
o que devia ser contigo.
Debato-me nestas horas de espera
e encontro paz com a tua chegada,
sossego, repouso.
O repouso do amante que espera.
Ninguém me nega viver
este momento único
de saber-te cravada ao meu lado
vibrando junto ao meu peito
ofegante, como o suspiro do peixe
fora do mar.
Ninguém me nega de ti tuas horas
tuas chegadas tardias e pontuais
minha longa espera que se funde com o sol
crepuscular até que resplandeça
a penumbra, a noite.
Então somos únicos, irrenunciáveis,
irrepetíveis, imersos na profundidade
deste último recanto do paraíso.
[TALVEZ PARA NÓS]
Talvez para nós dois
nunca haverá outro dia
como aquela tarde crepuscular
de um 20 de maio.
Nenhuma outra tarde de maio. Nunca.
Para outros, desconhecidos e quase inexistentes
por serem estranhos, sim.
Nós nos empenhamos, tenazes e desajeitados,
em construir o que outros sabiam e consideravam impossível.
Nunca ninguém duvidou que entre nós não duraria nada.
Mas você e eu nos obstinamos contra eles
e para espanto deles e de nós mesmos
os derrotamos.
E pensamos que seria para sempre,
Mas não. No fim, se cumpriu o asserto,
a sentença, o desejo e a malícia deles.
Esse mesmo empenho nosso minou os frágeis alicerces
que nos mantinham de pé.
E agora todos os que nos conhecem se vangloriam.
Conhecem, por terem previsto ou advertido,
as respostas às perguntas que nos fazemos,
e que nem você nem eu sabemos as respostas.
DIÁLOGO
Mantenho um diálogo perene
comigo mesmo, com amigos
e conhecidos ausentes,
e às vezes ouço suas vozes,
algumas palavras escuto
e me surpreende sua presença
quando menos espero.
Leio algumas frases virtuais
que não me fazem alusão,
mas nelas está esse sentimento
compartilhado e único das
lembranças.
Dias em que juntos então
compartilhávamos sonhos e aventuras
da alma,
utopias que nunca existiram,
convertidas em grandes
frustrações.
Perdemos a esperança de um
amanhã que não chega.
E aprendemos todos que o silêncio
desse passado clama por outra
esperança,
que aninha teimosa e desafiadora
neste espírito do diálogo que
compartilho comigo mesmo.
POEMA DO PÁSSARO TORDO
Um pequeno pássaro tordo
veio nesta manhã única
cantar no muro
do pátio
desta casa alugada
onde agora moro.
Vem todas as manhãs
junto com sua companheira
e celebram talvez a luz do amanhecer,
o verde das folhas das árvores,
e se esmeram em gorjeios.
Parecem errantes sobre as copas
dos espinheiros verdes e das amendoeiras.
Errantes como eu,
peregrinando toda a minha vida.