2 Poemas de Luis Bravo (Uruguai, 1957)

| | ,

Curadoria e tradução de Floriano Martins

Escrever é uma exploração em que cada poema busca sua forma, e essa forma se livra do texto que busca limitar a exploração. Se escrevo para chegar a uma forma fixa (haikus, por exemplo), o transe inicial surge do vazio mental da meditação, do espanto com a maravilha do momento, somente em seguida as sílabas serão contadas. Não parto de um tema, embora possa chegar a margens definidas sem propô-lo com antecedência.

Cada poema é o início de um devir; não sei para onde vai, estou descobrindo áreas e texturas, sons e imagens em um território iluminado pelo silêncio. a voz do silêncio é o arco que atira as flechas, a poesia é o coração branco da inocência e é a perversidade indomável da linguagem. brinco com a antena da intuição, sinto as palavras oferecidas na aljava: se quando soam dizem ou se retraem em sua materialidade; se o silêncio as desencadeia ou as agrega; se pedem agilidade ou descanso no embarque; que segundo e terceiro sentidos sobem ou descem em sua magia. a magia das palavras é a ação que abre os sentidos da alma. a alma é a carne do poema.

LUIS BRAVO


HIPOGRIFO
(tríptico)

I.

O olhar que fende o horizonte
resplandece

um oceano sobrevoa
Ah! não há rompente

banham as horas
a margem do espelho?

horas sem limite
órgãos sem gestação

amêndoa aquática os olhos
no risco da página

uma brisa sem palavras
penteia os prados da mente.

Guardião emplumado do silêncio
todo luz até não ser visto:

O que é, do que não é,
onde te ver?

II.

Penitente respira
costela felina
juba escamosa
empurrão nu

em fino fio
equilibrista
nesse fio

uma vez apaga
uma e outra acende

ruge acima unge vinho
onde queira esse corpo trinado
a carne concorda

e volta pela trilha dos justos?
e avança querendo conhecê-los?

III.

Pele em parcela de palavra
chicote de música
ondulante veneno;

ninguém este signo
tente compreender

: falar é sol
e apenas múltiplo o animal
entra e sai da morte.


VIA

Há uma vida lá fora
sem entrar, exceto
ao ser desligada como um autômato

há outro que sonha acordado
o sonho de dentro

quando a memória do reino é apagada
jamais se esquece o entrevisto

a entrada é perdida
o caminho é nublado

os dias passam em séculos de anos
sem entrar saindo

ao perfurar a adaga do amor o coração
um aroma remoto devolve
o fio de sombra que o peregrino busca.

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!