3 Poemas de Alelí Prada (Costa Rica, 1998)

| | ,


Curadoria e tradução de Floriano Martins

Sempre insisti em algo quando me perguntam por que leio poesia, o que procuro nos livros, e quando medito em uma resposta inteligente, que não se torne clichê, chego à conclusão de que na poesia se pode mudar, ou reencarnar, e literalmente ser outra pessoa.

Com a prosa isso muitas vezes não acontece, pois pode-se tornar um voyeur que acompanha a vida de um personagem, uma espécie de semideus que percebe os detalhes da vida do outro. Em vez disso, a poesia nos permite ser aquele que lemos.

Destaco isso, porque tive a oportunidade de ler o livro da poeta costarriquenha Alelí Prada, Cuando llueve sobre el hormiguero, e a dedicatória a quem deixou todos os pinheiros em sua montanha, eu era uma menina sozinha em no meio de uma floresta, cheia de neblina e com o chão molhado de um aguaceiro recente, e caminhei descalço entre os riachos que estavam secos como se fossem ruas que vieram me batizar de Soledad (algo assim cantava Chavela Vargas).

Nessa viagem brinquei com outras garotas da selva que me lembraram que os mais belos paraísos/ estão ao redor dos vulcões, algo que ficará gravado na minha voz e que será uma certeza que me levará a procurá-los entre as trilhas e as crateras.

Na floresta cresci protegido por lobas que me ensinaram a compor minhas próprias canções e a amarrar meus sapatos, a deixar comida escorregar entre os sofás de outras pessoas e a atravessar a cidade como se fosse um simples lugar onde os relógios desabam, entrar novamente no quarto da minha menina, por uma janela, tirar os corações do baú e guardar as lembranças que me aquecem.

Quando saí de casa novamente para voltar à floresta para continuar encontrando mais melodias, me vi como uma mulher com dedos calejados pelas cordas de um violão que tocava como se fossem as folhas das árvores onde se amontoam centenas de corpos desconhecidos; e aqueles que apontam para mim como se tivessem caminhado comigo ou bebido a água das fontes próximas a mim. Eu grito para eles não me incomodarem, irem limpar seus cantos escuros, e não ficarem no meu caminho, porque eu preciso voltar para onde o vento assobia.

Quando olhei para trás, para a cidade que estava deixando para trás, e que antes me aterrorizava por sua enormidade, só consegui observar casinhas de madeira cheias de bonecos que foram consumidos pelo fogo.

Então voltei para a floresta, e voltei a ser a menina guiada pela música dos pássaros e pelo cheiro de líquen. A menininha que descobriu as texturas que as palavras despertavam nela, e que mantinha metáforas penduradas em teias de aranha, para ir, como um cavalo em fuga, manchar as mãos com amoras, e já saciada para procurar o pelo da onça para que eu dormir com seu ronronar.

Na floresta aprendi também que a chuva nunca pede licença e talvez, só ela, seja quem enxugue minhas lágrimas, antes de declarar minha mania de perseguir paisagens, procurar flores que se abrem pelos caminhos, espantar moscas a comida servida, acariciar o sólido da lama por alguns segundos, tomar os galhos como trapézios, e buscar, todos os dias, o caminho que me leva a encontrar o menino de açúcar que tem nas mãos um antúrio branco.

Fecho o livro, e é como se saísse da floresta renovada, sendo uma mulher errática que lavou sua vergonha em lagoas vulcânicas, e que carrega consigo a sabedoria do musgo, o canto das pedras e a música do os rios que ainda longe escuto.

Suponho que seja a melhor opção, sair para nadar na imprecisão de uma cidade que enlouquece diante da água, e que seus habitantes parecem formigas quando chove em seu formigueiro.

SEBASTIÁN MIRANDA BRENES / Sobre o livro Cuando llueve sobre el hormiguero, de Aleli Prada.


Alelí Prada é uma cantora, compositora, poeta e compositora costarriquenha. Estudiosa, criativa e entusiasmada com histórias, ideias e sons. Tem participado em vários contextos artísticos, desde teatro, música coral, música original, performance cantada, oratória, recitais de poesia, entre outros. Hoje desenvolve seu projeto como solista com música original e produção literária. Recentemente, lançou seu primeiro single, Animal, com a cantora e compositora colombiana Laura Román, nas plataformas digitais; antecipando um EP este ano. Alguns de seus textos podem ser encontrados na antologia Y2K, da Editorial Estudantil da UCR, em Disacordos, antologia publicada pelo projeto Escritoras Aflorantes, revistas Liberoamérica, Oxímoron, Atunis, entre outros. Cuando llueve sobre el hormiguero (New York Poetry Press) é seu livro de estreia.


A ALMA DOS POETAS

Ao meu bando

Eles saem de buracos mal cobertos cobertos
e projetos não alcançados cansados cansados
que retornam em fantasmas de cores cores cores
para pintar as orelhas e pedir que não chores.

Leo Masliah

Eles dizem que estão roubando giz de cera
Que correm pelos corredores e botam os enfeites
porque acham prazeroso colar os pedaços.
Eles dizem que são relâmpagos,
que não importa o quanto corramos,
o tempo sempre volta para puxar nossos pés.

Eles dizem que fazem fogueiras em torno da demora e
batem os pés com os talvezes que restaram
em papeizinhos improvisados.
São nuvens rolando no céu
que jogam mapas e tesouros.
Apaixonados por eles mesmos e choram
em lápides com elegias nas mãos.

Eles saem para reunir abraços nas ruas
e voltam com o peito estilhaçado e, esvoaçantes,
abrem buracos em vez de portas.
E disseram que foram vistos chorando nas janelas
e nos móveis.
E quando se vão, acabam retornando como anjos tristes
que mancham as paredes com demência.
Eles são corajosos por medo da covardia.
São pipas que viajam abertas, sem folhas.
Quando eles encontram um retrato solitário
pegam seus pincéis e explodem em cores.
E, se necessário,
eles esfaqueiam o peito para sugar
o que lhes tenha restado de tinta.


DA CHUVA

O problema da chuva
é que não pede permissão.

Ele não tem misericórdia com os desejos,
nem com os corpos que levaram anos
para conseguir uma gota de estabilidade.

Não conhece a filantropia.

Não se importa com o teu currículo.

E te esmaga em partes iguais.

Então é hora de abrir todas as gaiolas
e deixar a seiva escorrer pelas barras
até que uma debandada de cavalos selvagens
povoe os buracos deixados pelo granizo.
A ver se sua violência lubrifica um pouco
seja o cadeado,
as chaves
ou o serralheiro.

Confesso que mergulhei na descontinuidade líquida.
Escorreguei em um império embaraçoso,
hesitante,
molhado,
interrompido.

Onde a água consome todo o ecossistema
e a plasticidade não funciona,
não aqui.
Não onde o dia perdeu sua face.

eu nasci nadando
no carnaval das gratificações,
na torpeza onírica,
na medula dos tolos.
Eles tentaram o turismo numérico
nas minhas costas e nas minhas pernas.

Mas eu não suporto os trâmites,
são uma burocracia parasitária,
acorrentada ao tempo.
Ninguém limpou minhas lágrimas.

Eu fujo sozinha.
me deito nos cabos do pátio
e me deixo secar.

E sempre retorno
à imprudência de me molhar novamente.


NÓS VOLTAREMOS

Os abraços retornarão.
Mas, desta vez, eles queimarão de tanto frio
que guardamos no armário,
de tão quente que os mantemos em suspiros.
Tudo retornará mais musgo.
E as texturas despertarão palavras
e na palavra
          estarás
                        tu.

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!