3 Poemas de Aleqs Garrigóz (México, 1986)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Este jovem autor mexicano revela que possui uma habilidade rara: a de devolver às imagens e expressões da poesia tradicional boa parte de seu frescor inicial, fazendo com que a seiva de seu sentido genuíno circule novamente por seus ramos. Essa qualidade revitalizante dos versos de Garrigóz acaba por seduzir o leitor, levando-o de uma forma nova a terras antes cobertas pela sensibilidade.

LUÍS BENÍTEZ

Acho que não consegui definir a minha poesia, melhor diria que a minha poesia costuma, se não definir a mim mesmo, propor ao meu estar no mundo um sentido, resolvido o drama. Na melhor das hipóteses, poderia dizer que é a minha panaceia para todo o bem e todo o mal, e nela tento desfrutar da intensidade que a realidade às vezes nos nega.

ALEQS GARRIGÓZ


FANTASMA

A névoa confecciona máscaras para o silêncio,
tempestades de ausência sobre os dias.
Eu mal te evoco e não és
mais do que um punhado de lágrimas nas mãos.
Morada, a tarde ainda se dispersa
com a rigidez de um funeral.
O vento varre o telhado
onde não estarás para contemplar a vida que foge.
(És tu ou o rato está de volta ao armário?)
És algo sutil e denso,
como nostalgia do que nunca se teve,
as palavras de um sonho, já esquecidas.
Acaso um corpo
mais consistente do que a poeira?
É a noite. As criaturas enlouquecem.
As cortinas se movem: eu te sinto escondido nelas.
És tão verdadeiro quanto uma necessidade
quanto o suspiro extinto no vazio.
As pernas tremem. Não sei como te segurar:
as bordas escapam, os sinais ficam borrados.
A fumaça se esgota e já estás bem além.
Tudo permanece em interrogação.
E outra e outra vez, nas torrentes do pranto
Eu acredito que te vejo,
e quero te abraçar,
para mostrar aos outros a tua realidade.


CÉU

Abres todas as portas:
teu amor é a pátria onde olhamos o milagre de frente;
nuvens bordadas de ouro, constelações extasiadas
nos saúdam testemunhando que o amor
é sempre uma lágrima. Fogo interior.
Pássaros de luz descem e comem em nossas mãos.
Eu canto lá, no refúgio divino
onde reina a música silenciosa da completa bem-aventurança,
fechada como um anel;
e ondula o sangue unido ao amanhecer.
Olhos reverentes. Tudo tem consolo, permanência;
o apego rosáceo que atravessa os corações
e queima. É a última fronteira.
Nossos passos iluminam a manhã perene.
Aquí vivemos. Aqui estamos.
Porque a morte é inesgotável como o amor.
Deus é grande.


CEMITÉRIO

Um pássaro negro deseja arranhar
até encontrar o delicioso cadáver.

Mausoléus antigos, rompidas estátuas de gesso
encurralam os suspiros
que resistem à dissolução dos consternados.
As cruzes são como flores. Sobre seus ombros
as aranhas deixam trabalhos inconclusos
como as vidas que migraram sem uma vela
ou um tratado para iluminar o túnel de sua morte.

O corredor está manchado
de tinta de pétalas espremidas pelas solas.
Uma senhora muito pobre retira uma omelete
e procura consolo em um bocado de sal.

Há violetas e pensamentos exangues por toda parte.
E a lua do dia
parece rir com certo sarcasmo.

As perguntas se desfazem
quando fantasias abraçar uma lápide como um melhor amigo.

Uma pedra alta que não pôde ser removida,
bem no centro do pátio, te atrai sem razão alguma.

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