3 Poemas de Ángela Hernández Nuñez (República Dominicana, 1954)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Ángela Hernández Núñez é Prêmio Nacional de Literatura. Graduada com menção honrosa em Engenharia Química. Narradora, poeta, apaixonada por fotografia. Textos de sua autoria aparecem em mais de uma centena de antologias. Suas histórias e poemas foram traduzidos para sete idiomas. Dirigiu a revista Xinesquema e foi editora de País Cultural (2017). Co-fundadora do Centro de Solidariedade para o Desenvolvimento da Mulher. Consultora de cooperação internacional. Ela foi correspondente da Fempress (cobriu a Cúpula Mundial sobre Direitos Humanos em Viena, 1993) e a Conferência Mundial sobre as Mulheres em Beijing, 1995. Ela lecionou na Universidade Autônoma de Santo Domingo.


A ORDEM DO FINITO

Estou sonhando contigo, diz uma voz na noite
Caminho sobre um espelho lívido. Talvez o mar
Monstro indefeso. Cidade tenra de grama
Ronrona
Na proximidade, vagalumes, brevíssimas pedras
Dividem a escuridão
Do outro lado surgem filamentos de relva
No céu, um relâmpago, sorriso de enigmática
Presença
Estou sonhando contigo
Repara nas flores da cana
Sedosas
Flutuantes
Ondulantes
Véus em meu sangue soprados por tua boca
Diz uma voz na noite:
Há um grão de pó
Uma roseira levitando em nosso pátio.


O QUE EU TENHO É UM PULMÃO FECHADO FEITO PEDRA

Olho em movimento. Teimoso sobre o dia vulnerável
Ventoso. Festa de insinuações. Coisas daqui, de lá
O que tenho é um dedo de Deus. Empurra um
mesmo ponto da minha carne. Requer a resposta para o
o que não faz meus sentidos

O que eu tenho é a punção de sempre, de antes
cortando a névoa em minhas reflexões
Um vestígio em forma de serpente. Tolice de fúria,
dança. Frio de ser
O que eu tenho é a impotência felina consciente

Treva das sacerdotisas. Clara interrogação
sobre enigmas e decantações. Um pedestal inútil por ombros. Navegando entre cálices, espadas

O que eu tenho é a vida dos bairros
O telhado feliz dos mercados
miseráveis. Boca da alma rompida pelo vinho. A determinação
precoce de quem troca a eternidade por comida

Sonhos dos perseguidos. Sitiada
Decapitado. Torturada. Chão sobre o corpo sem
Apoio. Ditadura do símbolo, cara e coroa

O que eu tenho é o extremo dos centros
O começo. O passo e o que logo passa.


TREGSA

Se quero fugir
mordo minhas unhas:
recordo obrigações matinais

Se quero odiar, olho as minhas garras na água
recordo o poder cabalístico da palavra
o poder do desejo e da intenção

Se quero duvidar, sustento no ar os meus músculos elásticos:
escuto o mundo isento do meu corpo

Se quero chorar, bocejo. Tempo e mundo encurtam a órbita em meu olho

Se quero chorar, acendo lâmpadas

Se me sento em uma gruta, não há inimigos ou presa

Se me sento em uma gruta, espero o amanhecer

Não há como escapar de tanto segredo embelezado

Eu carrego estupor e assombro para o outro levo apetite e morte
Entre minhas mandíbulas, a língua para lamber meus filhos e os dentes afiados para o perdão

Não há como escapar desse agora de água quente no nariz e fúria de crianças
Não há como escapar neste lugar sem portas e caminhos

À minha volta, a luz, o círculo infinito.

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