3 Poemas de Carlos Barbarito (Argentina, 1955)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Se um poeta do século XIX se mudasse para os nossos dias, sentiria ressonâncias familiares nos poemas de Carlos Barbarito, enquanto no surrealista evocaria as aventuras de Maldoror. Ou seja, a modernidade continua ativa em seus versos, sem ter que romper com uma tradição que ainda é relevante através do surrealismo. Não podemos, então, comunicar ao leitor que nesses poemas ele encontrará versos açucarados para serem lidos em uma tarde chuvosa. Ao contrário, a poesia de Carlos Barbarito o levará a outras regiões onde os dias são feitos de vinagre, as águas ficam sem substância, o paraíso é algo frágil que se dissipa, ou que amanhã alguém ficará cego. A abertura da linguagem deste poeta aos sentimentos e à imaginação, evidencia a libertação do reprimido no lugar das aparições. Tudo o que aparece nos desperta dos sonhos falsos, para nos apresentar aos verdadeiros que só os videntes sabem conjurar. Temos novidades porque os primitivos nos fizeram saber que houve um tempo primordial, onde o mundo era governado por outras leis. Os poucos que conseguiram resgatar algo desse mundo perdido são os poetas, principalmente os surrealistas. Suas leis são aquelas ditadas pela voz armazenada – como ecos de outras vozes remotas – nos espaços internos que um Henri Michaux visitou. Para compreender um discurso poético, é preciso usar o que Aimé Cesaire batizou de armas milagrosas. Milagres cujas armas não deixam o raciocínio frio sozinho são necessários para compreender sua poesia. Entende isso? A indefinição de seus seres misturados ao acaso requer compreensão? Mais do que entendê-lo, trata-se de conhecê-lo no sentido bíblico do termo. Palavras, como dizia André Breton, fazem amor. Devemos, portanto, conhecer antes de compreender o enredo que seus poemas nos reservam. A cortina desnuda o palco.

Carlos M. Luis


[NÃO ESTAR NO MOMENTO PRECISO]

A Fercho Cuartas

Não estar no momento preciso
e ir-se quando o vazio crescer
e for uma mão estendida que nada recolhe
em um estreito corredor sem nenhum objeto;
não poder ser uma orelha
para que uma música surja do fundo,
não poder ser pelo menos um olho
para ver fosforescer
o que parece letárgico, neutro;
atrás da porta o reverso,
o lado escuro, a noite cega e sem chave;
o que respira dá sempre a mesma face,
o que não respira provem
de uma falsa arte de figuras
com os pés recém lavados;
a tesoura falha ao cortar o fio,
o fundo do copo se enche de cinzas;
qual ordem ou tessitura, em caixa ou gaveta,
capaz de irradiar luz além de uma mera sílaba,
um despojo.


[CASA DERRUBADA PELA TEMPESTADE]

Casa derrubada pela tempestade, sem trégua
para a coxa, o nervo central, a lâmina larga
e o grito para além da parede, a raiz da árvore;
não espera a multiplicação pela manhã,
sim crianças que de repente se tornam adultos,
sim estaleiros dos quais não sai um único barco,
as horas que avançam e de repente é ontem;
na névoa os olhos não importam,
no inocência não interessam os braços,
no eterno país estrangeiro que pisamos
não há espaço mínimo para sapatos e bagagem;
vibração de uma vida desperdiçada,
ali, no fundo, fantasma desajeitado
e apenas uma simulação, uma manobra errada,
saco vazio pendurado em um galho,
fim da discussão e ofício entre escombros,
até a chuva no lugar errado.


A VIDA É UM PEQUENO RECINTO

A vida em um pequeno recinto,
sumo de humor antigo em trânsito
através de galerias subterrâneas; quanto mais longe
o olhar, a onda não deixa nada na areia
e o desejo só se desdobra em um sonho.
Pedra que uma vez aberta
fecha e a leitura ávida permanece dentro,
o ofício generoso do roedor,
a brisa que deposita pólen em um lenço.
Idioma que não respira: o olhar
não pode ir mais longe
que o domínio do molusco,
o reino da serpente;
riso de quem não ri,
choro de quem não chora,
ideia daquele que ficou sem cabeça,
espera de quem sem pés está parado
diante de telhados revoados sem que soprasse o vento.

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