3 Poemas de Gustavo Solórzano-Alfaro (Costa Rica, 1975)

| | ,

Curadoria e tradução de Floriano Martins

Gustavo Solórzano-Alfaro nasceu na cidade de Alajuela (Costa Rica) em 1975. Escritor, editor, crítico, tradutor e professor. É autor, entre outros livros, de Inventarios mínimos (2013) y de Nadie que esté feliz escribe (2017). Em 2018, por ocasião dos 25 anos de carreira literária, Perro Azul Ediciones lançou a sua antologia pessoal 25 x 25. Poemas escogidos de un muchacho que sonríe (2018-1994). Gustavo editou e traduziu o volume La oscuridad intacta. Poemas escogidos, da escritora estadunidense Dana Gioia.


A TRANSFORMAÇÃO DA CASA

a casa é uma caverna uma vasilha é um útero é um quarto um palco é uma cama uma janela pintura rupestre experimento quebra-cabeça um abrigo uma sombra a sombra paterna o castelo materno um poço infinito uma muralha de pedra é um caldeirão um fogo a lua sobre as flores paraíso perdido o sol ao meio-dia o zinco as latas as paredes maçanetas rebites azulejos madeiras velhas vigas roídas ternos em guarda-roupas é a tarde no corredor a manhã no lote o dia inteiro nas janelas as semanas nas panelas os meses nos chuveiros os anos nas cadeiras, a vida uma vida é a vida sem entrega com entrega com relutância com desprezo é o amor profundo a infância desajeitada a idade adulta errônea a velhice vencida é a casa é a casa uma partitura  com demasiadas brancas e redondas poucas fusas e semifusas poucas fugas para o jardim vizinho cumprimentos inexistentes com a moça da frente é saber-se roto desde sempre escapar e não escapar porque levamos a casa dentro dela é a casa nova é a casa um esboço pirâmide invertida um vaso de flores um amortecedor canos cabos corredores é o tempo as colunas a imitação do riso a exaustão do luto um funeral entre quartos de uma sala a outra de uma mesa a outra é a colher de metal retorcido a porcelana falsa a faca cega o computador a biblioteca uma câmera sem fotos os álbuns as receitas médicas os telefones os números da pizza do chinês do amigo da nora do sobrinho a casa sim a casa monstruosa transformação da arquitetura engenheiros do amor mestres de obra em movimento as hastes os cimentos a terra no fundo da terra a terra é a casa sim a casa é a terra onde jazemos onde nos revolvemos onde nos enterramos e de onde saímos a cada dia a conta de água televisão máquinas de lavar roupa cozinhas em mau estado geladeiras de prata de catálogo que rompem essa terra que inundam essa terra a água que corre pelos canos as canoas os silêncios os tempos onde podemos dormir onde moramos onde estamos onde a casa onde sim a casa a casa a terra pão vinho água terra o sal o amor e as ruínas e o esquecimento


PARA UMA FENOMENOLOGIA DAS FRUTAS

Brilham as ameixeiras, brilham.
A lua brilha sobre elas.
Elas se erguem suculentas
e ternas sobre os galhos.
Elas nos chamam, nos atraem.
Elas nos procuram e ainda brilham.
Elas parecem saber de algo
que está escondido de nossos olhos.
De sua pele surge o segredo
que apenas as árvores sabem.

Mas não, elas não estão brilhando.
Elas não são ameixeiras.
Brilha uma mangueira.
É uma grande árvore
mas agora ele está doente.
Há anos está doente.
Na temporada das mangas
elas só conseguem
cair e cair.
Com estrépito
elas se jogam na grama,
sabendo que são inúteis.

A temporada tarda
o tempo que as mangas
tomam para se atirar.
Eu as recolho com cuidado
mas ainda assim me mancham.
Coloco-as em sacos,
deixo-as no lixo.
Às vezes as enterro
no fundo do jardim.
Cubro e cubro com terra
porém elas não acabam.
Minha esposa, no gazebo,
me observa como uma criança.
Talvez ela saiba
o segredo das frutas
maduras e quietas
que são lançadas no vazio.
Sim, com certeza ela sabe,
por isso seus olhos brilham
como nunca brilharam
as ameixas e as mangas.


INFÂNCIA

A infância é um pátio de mentiras
um jardim fechado com velhos portões
uma garota balançando em uma rede
e um menino bobo que a vê e não fala.

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!