3 Poemas de Luis Alfredo Arango (Guatemala, 1935-2001)

| | ,

Curadoria e tradução de Floriano Martins

Luis Alfredo Arango nasceu em Totonicapán em 1935 e faleceu na Cidade de Guatemala em 2001. Membro fundador do grupo Nuevo Signo. Obra poética: Brecha en la sombra (1959), Ventana en la ciudad (Primeiro prêmio da revista Salón 13, Instituto Guatemalteco Americano, 1962), Papel y tusa (1967), Boleto de viaje (1967) Arpa sin ángel (1968), Dicho al olvido (1969), Grillos y tuercas (1970), Clarinero (1971), Cartas a los manzaneros (1972), El amanecido: o cargando el arpa (1975), Xicolaj & borbon: con poemas tercermundistas y antidisneyworld (1975), El zopilote biónico (1979), Memorial de la lluvia (1980), El volador (1990), Zarabanda (1995), Ver de Viejo (1999) Animal del monte (1999). Antologias: Archivador de pueblos (1977) y El andalón –poesía reunida (2009). Conto: Cuentos de Oral Siguán (1970), Lola dormida (1983), La serpiente pitón (1997) y Los cuentos de Don Juan Jenanito (2001). Romance: Cruz o Gaspar (1972), Después del tango vienen los moros (1988). Literatura infantil: La Tatuana (1984), Las lágrimas del Sombrerón (1984) y Por qué el conejo tiene las orejas largas (1984). Romance infantil: El país de los pájaros (1992). Prêmio Nacional de Literatura “Miguel Ángel Astúrias”, 1988.


POEMA DO TEMPO CIRCULAR

Meu nome não é meu nome.
Eu morri muitas vezes
e em outras tantas eu nasci.
Sou o enterrado debaixo da escada,
o que dormiu durante séculos
com uma pedra verde
preso nos flancos,
esperando que se reúnam
em um tempo circular
todos os tempos
porque esse dia chegará,
todas as línguas se unirão,
todos os rios
em um único sangue.
Cada vez que eu regresse
cantarei novamente desde o início e
para todos…

Por aqui estou de passagem
mas também estive
com os líderes errantes e descalços,
com os fundadores,
aqueles que viram esta terra
antes de todos,
e se aproximaram de seus lagos com espanto,
com a alma dilatada de emoção
e a primeira coisa que fizeram foi ajoelhar-se,
lavar os cílios e a testa,
molhar o peito nu,
polvilhar suas mulheres como em um sonho
e seus filhos
e batizar tudo
com nomes que tiraram das rochas,
das pedreiras, da seiva das árvores,
de sucos e raízes virginais.

Estive.
Fui com eles para desfrutar,
contemplar os vales,
as montanhas azuladas,
ainda submersas na névoa primordial.
Eles tiraram tudo da terra,
souberam indagar,
questionar o barro,
vulcões, rios…
Essa foi a sua Grande Sabedoria:
vestir-se com as flores que encontraram no caminho,
por as plumas e colares de sementes,
luzir a pele dourada,
trabalhar com alegria,
presentear-se com os frutos da terra,
levantar-se, edificar cidades,
inventar novos deuses…

Meu nome não é meu nome.
No meu caminho há confusões,
fermentos, enriquecimentos,
corrupções…
Fui tambor em Uaxactún,
flautista em uma página do PopolVuh
e uma vez marinheiro em Flandres,
cantábrico misturado com quiche,
pastor de cabras,
cronista em um convento do século XVIII,
marimbista em Samayac,
mas sempre, sempre, sempre
fui o poeta que tinha
uma pedra verde presa nos flancos
e que espera embaixo da escada
que se juntam em tempo circular
todos os tempos
e as línguas
e os laços de sangue.


OUTRO POEMA CHAMADO JOÃO

Falamos de ti porque
florescemos à sombra de tua casa,
florescemos como arbustos,
florescemos umedecidos com o vinagre de tuas roupas,
florescemos com a ilusão de que um dia voltes a despertar;
para que não sejam esquecidos teus cuidados,
o quebranto, a dor e
a tua alegria sobre o mundo,
tua alegria tão humilde,
tão efêmera,
tão apenas folha de palmeira.

Teimosos, tolos, nós te nomeamos.
Serás encontrado ou te encontrarás em nossos versos,
com fios e nós e pedacinhos de sonhos,
com a fumaça que amarela os cestos,
as vasilhas,
as redes e os ossos
e as paredes
e as marimbas ruminantes.
Os objetos que parecem animais e te servem,
que te cercam e brilham em tuas mãos
como feras ou tartarugas milenares.

Os saquinhos de saliva que cospes durante a noite,
o tabaco embrulhado em folhas de milho.
A cachaça.
Porque bebes toda vez que há cerimônias,
toda vez que batizas ou enterras teus mortos.
Bebes e falas.
Falas da vida… Da vida!…

Bebes e falas de um buraco
de quatrocentas braçadas
e em tua boca
as palavras são pedregulhos,
grãos úmidos que às vezes explodem ruidosamente,
firmemente, como chuvas,
como dentes que te doem.

Falamos de ti,
talvez prefeito de alguma cidade que não seja uma cidade,
que não pode ser vista,
que se perde atrás do átrio de sua igreja,
que apodrece lentamente,
que desaparece ao amanhecer,
que se lava nas torneiras
em um rio estreito e marrom,
tão quieto como tu,
como tua vida.

Falaremos de ti até que
um dia
te ergas e destruas esse mundo de utensílios zoomórficos,
de bancos que se alongam para dormir
para a poeira dos bailes e dos anos,
para a terra de cobras que se enrolam em teu pescoço.

*

Sei como partes o pão
a cada manhã
e recolhes as migalhas
com as pontas dos dedos
Como um cego soletrando o café da manhã.


RASTROS

Milhares de fragmentos são recolhidos
Desse barro alaranjado,
modelado há mais de mil anos.

Milhares são recolhidos
porém apenas dois, três pedacinhos têm
aquela excelente qualidade que
os monarcas
corrompiam com o fedor de sua morte,
a finura dos vasos
que os reis e suas noras
agitavam suavemente
—para esfriar os cozimentos,
os atóis perfumados com louro

e guisado—.

Incensários mutilados são recolhidos,
da cor de sapoti,
e me enche de tristeza e mistério
e minhas mãos queimam
quando os toco,
quando recordo que foram polidos
por meninos e senhores,
pelas mulheres e seus filhos,
que riam,
conversavam,
se reuniam à sombra dos caramanchões
há mais de mil anos.

*

Às vezes, como hoje, sinto tristeza
porque escrevo versos e um poeta… quê?
Para que serve?…

Amigos morrem e eu começo a soluçar,
morro com eles de uma tristeza insuportável,
com o mapinha da Guatemala, metralhado no peito,
com a bandeira, com o escudo, pintados
como em um sonho escolar.

Irmãos morrem e
começo a soluçar
porque não consigo impedi-lo!

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!