3 Poemas de Nelson Merren (Honduras, 1931-2007)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Elys Regina Zils

Nelson Merren (Honduras, 1931-2007). Nasceu em 10 de dezembro em La Ceiba, Honduras. Estudou odontologia em El Salvador. Residiu em Nova York por vários anos, até seu falecimento. Publicou seus primeiros poemas na Revista Honduras Literária, da UNAH em 1963. Em 1967, integrou o grupo literário de jovens poetas da cidade de La Ceiba chamado “La voz convocada”, o qual também dirigiu. Em 1969, obteve o Prêmio de Poesia “Juan Ramón Molina” na Escola Superior de Professores “Francisco Morazán”. Em 1997, recebeu o Prêmio Nacional de Literatura “Ramón Rosa”. Fundador da poesia nova hondurenha com Óscar Acosta e Roberto Sosa, é reconhecido por sua voz coloquial e imprecatória. “Introduziu —segundo José Luis Quesada— a influência dos grandes poetas norte-americanos.”


CARPE DIEM

Há dias
como uma rua entre terrenos baldios,
pavimentada e só
lixo e ervas daninhas nas laterais.
Dias em que o café e o pão
têm gosto de gesso, fúria seca, fraude,
já organizados e publicados no jornal
com seu político ianque
interrompendo o cortejo
para beijar uma garota birmanesa
ou maternalmente calculando votos
enquanto acaricia um menino negro no Harlem.
O suco de laranja como purga
enquanto sorri com suas quinze primaveras
uma gentil culta filósofa etc.
senhorita que nojo
e adiante está o Papa declarando
com uma visão impressionante
que a situação do mundo é grave.

Atravessar a rua com cuidado
pelo moderno atavismo,
o mesmo gordo vendedor de frutas
com seu falsete aparentemente patenteado
o vendedor de loteria como uma mariposa-carpinteira
exercendo sua ingênua demagogia
e na esquina, já com olhos de camelo,
ver novamente que o Papa
prometeu orar pelas vítimas
do terremoto na Turquia,
e uma vontade terrível de gritar: merda tudo!
até que se acalmem nossas glândulas e dentes.

Dias como uma estrada
sob o sol, reta, vazia, interminável.


GOSTO DE SOMBRA

Participei de sérias discussões
sobre se a poesia política
tem o direito de ser chamada de poesia
e comi pernas de rã e horríveis cracas
e pão com mel e ázimos
e vi o sol nascer e lembrar naquele momento
que os poetas o chamaram de olho do dia
e dourado imperador
e li deliciosos e cretinos romances pornográficos
e dramas em que a virtude é recompensada
e me cansei de tantos dias ensolarados
e ansiei pela chuva
e tive dez dias seguidos de chuva
e ansiei pelos ensolarados
e fiz coisas indecentes em certos parques
e assisti a noite cair e criei uma nova frase
e viajei de carro e trem
e comi pêssegos e humildes bananas
e disse: assim que ler tudo sobre socialismo
poderei morrer em paz
e esquecer de tudo com alguns copos de vinho
e banhado nu nos rios como um polinésio
e disse: assim que eu ver todos os filmes
daquela famosa atriz poderei morrer em paz
e viajei em diferentes tipos de aviões
e disse: a inventividade do homem branco!
e quebrei espelhos grandes
e tentei esquecer os dias amargos
e disse: assim que eu experimentar todos os coquetéis
poderei morrer em paz
e sustentado sem acreditar que homens fortes
têm cérebros pequenos
e lavei meu corpo com sabonete perfumado
e pisei em imundícies em becos escuros
e comprovei que na china o branco é a cor do luto
e tirado da minha cabeça a vassouradas os dias amargos
e extasiado com os nomes das estrelas
altair vega sirio benatsnach zubeneschamali
e disse: que bela é a minha vida!
e sorri para crianças descalças com barrigas secas
que se chamam césar augusto
e vi que sou praticamente igual aos chineses
e aos negros
e escrevi com penas de ganso
só por curiosidade
e examinei minhas costas e até embaixo
em um grande espelho
e examinei meus olhos em um espelho
e vi algo neles algo infinitamente doloroso
e lembrei de toda a minha vida
e já que não há nada como o triste êxtase
da morte
e sentado em parques, sob o vento gelado
esperando chegar
e desejado sempre, com cada batida do meu coração
a paz que não acaba.


PAISAGEM COM UM TRONCO PODRE

Ocioso o mar, preguiçoso
sacode constantemente o velho tronco.

Toda vez que respira
o mar move um pouco,
joga-o mais longe, depois traz de volta,
e está nisso há horas.

Nesta pobre costa
com blocos de cimento corroído
e carnaval de latas e papéis
o mar continua brincando
sem vontade com o tronco.

Nem o mar se anima um pouco,
e o tronco é um covarde
resignado ao seu destino
e sei que nós três estamos entediados.

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