Curadoria e tradução de Floriano Martins
Nemir Matos Cintrón (Porto Rico, 1949). Poeta, romancista. Reside na Flórida. Publicou vários livros de poesia e partes de um romance. Ela tematizou abertamente seu lesbianismo em grande parte de seu trabalho. Durante a década de 1980, Matos Cintrón ministrou cursos de produção televisiva na Universidad del Sagrado Corazón, em Porto Rico. Ela também trabalhou como produtora de televisão para o canal de notícias 24. Ao mesmo tempo, colaborou como roteirista da minissérie Color de Piel, que trata das tensões raciais na sociedade contemporânea porto-riquenha. Sua escrita para a televisão a levou à criação e roteiro de Insólito, uma série dramática de antologia que trata de fenômenos sobrenaturais no Caribe. Na década de 1990, ela retornou à academia, como professora na City University of New York. Sua paixão pelos estudos porto-riquenhos e latinos e pela tecnologia multimídia culminou com a pesquisa, produção e publicação do CD-ROM multimídia Puerto Ricans in the USA: A Hundred Years. Em 2001, mudou-se para Orlando, Flórida, onde trabalha como Designer Instrucional. Em 1981, Matos Cintrón publicou seus dois primeiros livros de poesia: As mulheres não falam assim e Através do ar e do fogo, mas não do vidro. As mulheres não falam assim, uma colaboração poética e artística com Yolanda V. Fundora, é a primeira coleção de poesia abertamente lésbica na literatura porto-riquenha. O interesse renovado por este livro o levou a uma segunda edição em 2010, seguida por publicações recentes de traduções para o inglês de poemas da coleção em várias revistas online e jornais literários. Um fragmento do primeiro romance de Matos Cintrón, El amordio de Amanda, que trata do crescimento na década de 1960 na área urbana de Porto Rico, foi incluído na antologia literária LGBT porto-riquenha Los Otros Cuerpos (2007). Em 2014, Matos Cintrón e Fundora publicaram outra coleção colaborativa intitulada A Arte de Morrer e a Pequena Morte. Esta coleção é o produto de uma instalação artística de 1991 em San Juan, Porto Rico, e representa uma homenagem aos amigos que morreram de AIDS, incluindo seu poema “A Manuel Ramos Otero”. Em 2014 também foi publicado Alienígenas em Nova York.
[ESTE TRÓPICO INSALUBRE DESTILANDO LENTAMENTE]
Este trópico insalubre destilando lentamente
pela rachadura na parede
essa dor fermentando em todos os poros
e a terra que pulsa sob o cimento
gritando para não morrer
esse musgo contaminou e os animais morreram
lambidos pela poeira enquanto incham como Salcedo
quinhentos anos depois na estrada
Eles me vinculam com a ferida total da existência
e depois de tantas palavras quebradas ao longo do tempo
ainda esperas que eu saia e sorria
a resposta final do universo
justamente hoje que acho que deixei por descuido
minha alma esquecida em uma sala de espera
e tenho medo que alguém a leve debaixo do braço
acreditando que ela seja último jornal da tarde.
DEMASIADO FORTE, 2
Não sou apenas uma garota,
eu não me comporto.
Falo como as mulheres não falam.
Bebo goles de mulheres quando
fazê-lo ainda não está na moda.
Invento palavras que não existem,
especulações fantásticas,
mitos e ritos conspirados à vontade,
deusas subjetivas e pós-modernas
que escrevem nas paredes com catarros,
que pressionam as paredes
e as destroem
ao som de dissolutas investidas.
[ONDE ESTÁS]
Não te alojas na palma da minha mão,
nem no meu punho fechado pela raiva de viver em um mundo arbitrário,
sem rima ou motivo.
Talvez seja o oposto
e vivo em um mundo projetado de propósito
para o desamor.
Quanta tristeza e ao mesmo tempo alegria aninham-se em meu peito, criança de duas cabeças embalada pela canção de ninar de quem não teve infância.
Sigo cansada de te procurar nas voltas do momento
e não te encontrar.
Suspeito que existes e decidiste me observar de longe para não sentir a chama avassaladora da minha dor
calcinar tuas pupilas e teu peito feito de cavidades insondáveis.
Ah, que pena não sentir tua respiração obscurecer o espelho da minha desolação
e não poder acariciar teu corpo feito de folhas amontoadas
à sombra de uma árvore que resiste à poeira levantada pelos carros de uma cidade que ilumina a sua madeira centenária com o único propósito de brilhar por um segundo.
Como eu gostaria que penteasses meus cabelos feitos de lágrimas pingadas pelo sol à três da tarde.
E aqui estou ainda esperando a explosão fugaz do teu abraço.