3 Poemas de Sonia Manzano (Equador, 1947)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Gladys Mendía

Sonia Manzano (Guayaquil, 1947). Poetisa, narradora e ensaísta. Sua obra poética inclui os seguintes títulos: El nudo y el trino (1972), Casi siempre las tardes (1974), La gota en el cráneo (1976), La semana que no tiene jueves (1978), El ave que todo lo atropella (1980), Caja musical con bailarina incluida (1984), Carcoma con forma de paloma (1986), Álbum de reinas (1991), Último regreso a Edén (2005) e Espalda mordida por el humo (2014). Sua poesia foi reunida no volume Poesia junta (2008). Suas novelas: Y no abras la ventana todavía (Prêmio III Bienal de Romance Equatoriano, 1993), Que se quede el infinito sin estrellas (2002) e Eses fatales (2005). O livro de contos, Flujo escarlata (1999) foi agraciado com o Prêmio “Joaquín Gallegos Lara” como melhor livro de narrativa do ano. Sua obra figura nas antologias mais importantes, incluindo: Lírica equatoriana contemporânea (Bogotá, 1979), Entre o Silêncio das Vozes: Antologia de Poetas Equatorianas Contemporâneas (Quito, 1997), Antologia de Narradoras Equatorianas (Quito, 1997), Poesia Erótica de Mulheres: Antologia do Equador (Quito, 2001), Conto Equatoriano Contemporâneo (México, 2001), Casa de Vagalumes, Poetas Hispano-Americanas de Hoje (Espanha, 2007) e Poesia Equatoriana Contemporânea (México, 2010).


ANTES QUE EU ADENTRE EM TEUS DOMÍNIOS

Antes que eu adentre em teus domínios
deixa-me aspirar
mais uma bocada de ar selvagem
assim, soprarei sobre tua nuca
feixes proibidos de floresta
e deixarei em tuas costas
grãos de fogo verde
para que deles se alimentem
as ávidas cotovias de minhas mãos

Deixa-me preparar-me
com o vestuário apropriado
para poder remontar séculos de areia
em um único segundo de tempestade
como se eu pudesse dizer
sob este cacto
escondo a memória do verão
e sob o verão
protejo minha ternura super atuada
Deixa-me ungir teus músculos fúnebres
com óleos provenientes de minha origem escura
soberbamente escura
como as veias que marmorizam
minha pele de duro jade

Com este paladar, saboreio
as bordas açucaradas de um incêndio
que se afogou em meio copo de cinzas
Com este bisturi molhado em névoa
secciono o melhor de teu cadáver
aquele que diariamente eu invento
para cantar a duo
romances sem palavras
embebidos em poções de silêncios
Com esta enxada que abre suas valas
nas áridas hectares de meu sangue
arroteio meu lombo depredado
pelos dentes onívoros da fumaça
e espalho minhas sementes noturnas
sobre um leito em forma de sepulcro

Com este bico torvo
de ave agoureira
escavo em teu fígado de espectro
os restos do licor que não liberei
por estar extraindo
o néctar sereno dos tédios

Não constas em minhas escrituras sagradas
não és o anjo prometido
que descerá à terra
para limpar com ácido
o menos original de meus pecados
És apenas
o leitmotiv de uma poesia antiquada
a ficção concebida em um encontro
de torsos irreais
o salmo que agora salmodia
minha solidão beduína
enquanto queima suas naves dementes
no último miragem do deserto.


FRÍGIDA A PALAVRA

A disfunção erétil destas rosas
impede que as plante
em túmulos profanos
Fria a palavra
se veste de prostituta envelhecida
e se senta no átrio de seu templo
Cantando entre as coxas da noite
passa um cortejo de lésbicas
Algumas delas
as mais abertamente cínicas
usam pulseiras de prata em seus tornozelos
e torneiras de metal em seus mamilos
Enquanto as restantes
desprovidas de enfeites e nostalgia
mostram suas línguas perfuradas
por cadeados que se abrem
com um refluxo turvo de saliva
Passa uma legião de homens robustos
cujos escudos cobrem
sua parte de flor vilipendiada
Alguns deles
talvez o menos necessário
me estendem uma máscara de pedras vazias
para que com esta eu assista
ao baile anual dos que não têm rosto
A palavra não experimenta sensação alguma
A palavra se tornou
uma entidade completamente fria
Fria a palavra
bate o chão com um cajado envelhecido
e da terra emergem
espadas de água que beberei mais tarde
A palavra se envergonha profundamente
de não mais estremecer
nem diante da pura nudez
de um verso antigo
Fria a palavra
entra em um barril sob medida
e por um orifício observa
a inútil esbeltez de uma árvore com Alzheimer
Adiante, o rugido da cascata é impassível


Pela simples fricção das palavras
se chega ao êxtase.
Nesta, minha primeira relação com o texto,
literalmente me reviro na linguagem.
Entreabro os lábios para dizer “esta boca é minha”,
mas não sei se sou eu que está falando por esta boca.
Não importa se ninguém me lembra neste último dia
tão parecido com o seguinte.
Algo que não é a rosa de outros dias
flui entre as coxas,
sangra eternamente entre os lábios
a rosa que não volta.

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