Curadoria e Tradução de Floriano Martins
É sabido por todos que a arte, quando consegue comunicar, quando nos toca, repousa sobretudo nas emoções básicas, nos sensibiliza, abre a nossa consciência para este mundo interior que consegue ser partilhado e coletivizado com a arte e a experiência estética, e assim nos lembra que temos um espírito humano. A arte, então, reitera ou resgata nossa humanidade, e nos lembra que também somos o outro, que a alteridade humana é uma forma de coletividade.
As artes e a música são mais intuitivas e universais; mas a poesia mais profunda, e o canto (poesia apoiada em música potente) – além de comover e ressoar em nós, abrindo nossa consciência – pelo fato de estarmos cifrados na linguagem com todo o seu sistema semântico e pragmático, constrói atitudes – valores associados com emoções, que são muito difíceis de mudar uma vez estabelecidas. Desse modo, a poesia se enraíza no espírito humano, em seu duplo entrelaçamento interativo emocional e racional. Assim, o espírito da poesia que consegue ultrapassar as fronteiras culturais e individuais é o espírito da humanidade, na medida em que consegue nos identificar e coletivizar em sua magia xamânica.
E por isso, a poesia pode e deve ajudar na construção de uma nova vida no mundo, de uma sociedade mais igualitária e respeitosa da vida humana e da vida de todo o planeta, e do planeta como um todo vivo e amoroso. Essa integração holística atinge em seu possível o xamã. E nós, leigos, poetas ou não, aspiramos a essa integração, que já compreendemos que fazemos parte desse vivente coletivo que é Gaia, Pacha Mama, Mãe Terra: nosso útero cósmico que nos carrega e nos protege em seu vazio hostil nesta fabulosa jornada da vida.
WALDINA MEJÍA MEDINA
CLARO-ESCURO
Meu ventre capta fragmentos do universo
e os transforma em luz.
O filho cresce e grita pelos ventos
Aqui estou eu, convoco a manhã!
Estou procurando um emprego desesperadamente.
Pão e leite seguros para a criança
casa, cama
o amor que vem da tranquilidade de um trabalho digno.
Eu procuro desesperadamente:
“aqui, talvez – eles me dizem – ali, talvez”
e eu vou e corro
com dor e medo cravados no ventre
e com as mãos quase suplicantes,
e vou e chego e eles me fazem esperar
e na entrevista
de repente grita o filho através dos ventos:
Aqui estou eu, faço a esperança!
e o empregador percebe e diz:
“Não há trabalho”
“Não podemos usá-lo”
“Não creio que seja possível” Não
Não.
NÃO!
– Não sei se posso continuar lutando –
e sigo /
sigo/
SIGO/
por esta madrugada que quase implora do fundo de mim
e ninguém
escuta.
[PARA O QUADRANTE ÍNTIMO DO NÓS…]
Para o quadrante íntimo do Nós
a Vida nos reclama,
impossível
impossível de se opor,
nossos corpos se atraem
com a força do Cosmos,
em meio ao plasma primordial
sabores luz cheiro sons bordas
eles misturam imprecisos
dedos boca mamilos pênis vulva
se encontram e se confundem no estrondo vital,
tua pele minha pele resiste
em crescente tensão
em palpitantes
acúmulos de energia genésica
que irradia do núcleo do Nós,
impossível
impossível suportar
a pele transborda
explode o gozo!
CONVITE
Vamos deixar a terra que dura.
Vamos nos divertir, amigos, vamos nos divertir…
Poesia Nauatl. Anônimo
Entre imensos vazios do infinito Cosmos
tu e eu
corpúsculos vãos e fugazes,
casualmente próximos.
Será mesmo casual estarmos juntos
na vastidão do Universo?
É realmente por acaso que nossa pele
Seja chamada?
O tempo escapa sigiloso.
Desfrutemos o milagre de estarmos vivos:
Que a cada instante beije nossos lábios
que cada estrela molhe nossa pele!
A Lua me ensinou seus segredos,
venha
que eu quero te dá-los.