3 Poemas de Yelba Clarissa Berríos Molieri (Nicarágua, 1957)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Yelba Clarisa Berríos Molieri pertence à geração dos anos 1980, na poesia nicaraguense. Ela é advogada com mestrado em Direito Marítimo, 1982, Tulane University, New Orleans, L.A. Escreve desde os seis anos de idade. Livros: Minha vida em trinta luas (2011, com um prólogo de Nicasio Urbina); Del cristal al acero (2013, com prólogo de Edwin Yllescas); e Desde un tiempo futuro próximo pasado (2015).


[O MEL PICANTE DA VIDA]

O mel picante da vida não procura colonizar nossos lábios para provocar em nós sentimentos de: desolação, tribulação, derrota e/ou miséria. Existem situações que nos aparecem como tenebrosos fantasmas agigantados, mares com correntes inavegáveis, onde os braços de aço da vontade são amputados para armar o mais abismal trecho de mar. Em outras ocasiões, ficamos apavorados com a face vertical do céu laminada por faíscas e somos oprimidos pelo tremor aterrorizante da morte diária, a agonia invisível, a hiper-ventilação, a corcunda incontinente e o congelamento das mãos. Apenas um minuto antes da morte, reagimos com ousadia e sem medo. E nosso ânimo se eleva, nossos ossos dobrados e a coragem de realizar proezas, mesmo que nosso único armistício seja a invencibilidade de um sorriso ou a força de um abandono total, com a destemida nudez da fé na vitória. A escuridão em seu negror mais indescritível sempre abre caminho para a medula do sol. Portanto, podemos escolher nos permitir o amanhecer ao meio-dia e soltar algemas e correntes para correr em direção ao rescaldo da liberdade iluminada e limpa.


MATISSE

Quando eu pensei que as estacas seriam ossos
dormindo no chão
e eu leria meus diários nos púlpitos imemoriais
abrupta e maravilhosamente
raízes siderais surgiram
com seiva de esmeraldas líquidas.
E os desertos alvoroçados floresceram com pedras
e me coroaram com ágata e carbúnculo
granada e safira, topázio e esmeralda
diamante pérola malaquita e calcedônia.
A mesma tenda de estaca estendida me calçou
a nunca mais idade beduína no que resta
foi meu cetro
e não fui a mais ensolarada
E grandes marteladas rugiram em meu peito
balançando o cabelo dos meus sinos.
E todos os beijos atrasados da história chegaram
e o órfão da minha língua encontrou asilo
nas cordas gloriosas de sua garganta
E a mirra e o incenso e o eucalipto
Rugiram fumaceiras dos incensários em festa
as rachaduras nas lajes ficaram umedecidas
do óleo como da sagrada unção
sabotaram o que não voltaria a ser a mesquinharia do destino.
Nos bastidores, sempre há espíritos nobres
sacaram suas adagas para repelir lanças
outrora manchadas com meus inchaços arteriais
vieram em meu auxílio
minha alma já infeccionada com agonias
foi insuflada de gozo.
E foram minhas nas taças de minhas mãos
a música e todo a oceanidade do mundo
e pus um vestido bordado com estrelas.
E hoje Amor é o silêncio nunca mais
de todos os azuis mar e céu
agulhas de luz nos pontilham
é o zigoto da madrugada que é gestado no útero
de nosso sol regenerado.


VERBOS INFINITIVOS

A madrugada incomum atinge as masmorras essenciais da noite, ela as enfrentam com uma manada de lenha, como se quiséssemos enfrentar um imenso inverno.
Não importa se escondemos descansos debaixo das pálpebras, há sempre um tango amarrado nos tornozelos. Isso nos inflama uma vida confusa e bizarra, pronta para descascar tímpanos e esqueletos; para tirar a poeira das sombras das caveiras que criamos, como se estivéssemos mortos caminhando vivos.
Ai do galope feroz das horas!
Ai do medo do terror e do esquecimento!
Para isso temos cornetas e saxofones, soprados pelos bicos-lábios dos pássaros; sambas, rumbas, mambos bailados por árvores exibindo suas saias de cores multirraciais, entre flores e frutas que impregnam a pele do pressentimento vital.
Acordamos pregados a um tablado: o mais flamenco do mundo. Sem saber, sapateamos na madeira; correndo, nos sacudindo, morrendo. Esse movimento nunca vale pelo medo imposto.
Depois de um dia dançando com a morte, palpitando no coração de todos, existentes, ignaros e absolutos, somos os mesmos jovens touros cansados, alimentados pela casa escura e seu cocho.
Despertar, nascer, morrer, respirar, copular, escrever e todos os verbos infinitivos do mundo; é trabalho de todos. Ouve-se o refrão que a dança de nosso tempo dirige e canta. É a carniça das horas de cada dia vivido.
As agulhas relojoeiras são experientes canibais e hematófagas; descontam carne, ossos, sangue, dias frios. A noite é uma espécie de topo de meios-fios e plataformas. E a lua, o mel adoçante, que destrói os paladares e as línguas escondidas nos olhos. Quase não conhecemos o punhado de gritos ejaculados de sonhos, em completa ausência, levados aos misteriosos confins do ser.

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