Curadoria e tradução de Floriano Martins
Matilde Espinosa (Colômbia, 1910- 2008). Poeta reconhecida em seu país como uma das fundadoras da poesia contemporânea. Suas obras carregavam grande conteúdo social e indignação com a condição humana e o sofrimento inútil. Nisso, ela também contrasta a beleza das paisagens e da natureza e, por outro lado, refere-se à submissão das mulheres derivada do patriarcado. Ela defendeu os desprotegidos e fez um retrato literário da violência individual e coletiva na Colômbia, assim como o desenraizamento, a dor de seus filhos e sua sensibilidade e transparência diante do mundo que a cercava. Faleceu aos 97 anos, deixando 14 livros de poesia. O infortúnio do primeiro casamento, a morte prematura do filho e a perseguição política do segundo marido foram motivações suficientes para enchê-la de uma profunda carga existencial, que começa a ganhar forma em suas publicações posteriores: Memoria del viento (1987), Estación desconocida (1990), Los héroes perdidos (1994), Señales en la sombra (1996), La sombra en el muro (1997) e La tierra oscura (2003). Foi uma das fundadoras da revista Avanzada Femenina, onde tratavam de temas como o direito ao voto feminino e a consideração da mulher como mais uma cidadã com os mesmos direitos do sexo masculino na sociedade. Com o tempo, conhece um grupo de mulheres comunistas e feministas, que a apresentam a este novo mundo, tendo em conta que Matilde nunca teve uma aproximação a estes grupos políticos devido à sua criação, pelo que se dedicou a ajudá-los e a alcançar os seus objetivos. Por outro lado, deve-se notar que ela foi incluída em diferentes antologias latino-americanas e colombianas, e sua poesia foi objeto de estudo crítico, suas obras também foram traduzidas para diferentes idiomas, como inglês e francês. Matilde não excluiu ninguém. Por sua casa passava o poeta, o professor, o estudante, o professor, o agricultor, o advogado, o homem de direita ou de esquerda, o ateu ou o crente. Ele ouvia a todos e falava com todos e os aconselhava. A casa da Matilde era um templo da poesia, por ali passaram os grandes poetas dos anos 70, 80, 90 e do novo século. Em sua casa estavam León de Greiff, Enrique Uribe White, Octavio Gamboa ou Hernando Santos, mas também estudantes de literatura, direito e filosofia. Procuraram Matilde porque ela era como um norte para muitos. Homens e mulheres a procuravam em sua casa para pedir conselhos.
ROMANCE DO SACRIFÍCIO
De sua casa o levaram
à beira do mar;
que a água não deixa marca
e é tumba de areia e sal.
Como era firme e valente
– passo de pluma celeste –
o tomaram de assalto;
porém sua sombra caminha,
como semente na montanha!
Não perguntaram seu nome;
o nome não diz nada
quando a morte responde.
Para tornar dura a noite
lhe puseram uma venda;
e as estrelas fugiram
por um atalho de sombra.
Suas mãos foram cortadas
e caíram na água
como flores amarelas
Sobre sua garganta partida
o vento tornou canção
a palavra que ele não disse:
juramento, rude golpe no coração:
coração de guerrilheiro,
que não trai jamais.
Entre as algas adormecidas
os peixes teceram ronda,
e uma cabeleira escura
amanheceu sobre a água.
UMA VOZ
Não era uma queixa
nem a voz do caracol
em sua praia deserta.
Nem o passo da besta
por um penhasco escuro.
Era o presságio que florescia
os ecos e a explosão azul
de um jogo infantil.
Era uma voz sem fundo
aérea como o canto.
Se eu voltasse a escutá-la
entenderia melhor a rejeição
de uma voz surpreendida
na noite.
[CHOVE]
Chove
Neste barco
sem madrugada
chovem as sombras.
Desabam
os reinos do amor
e as borboletas brancas voam
como flores silvestres.
Atrás da nuvem mais escura
os ventos se concentram
noticiosos, sedentos, chove.
Desfilam as memórias;
histórias de paixão com incêndios,
tremores ou viva morte.
Visões mágicas no ar
rolam no escuro, chove.
Neste barco sem madrugada
não há recuperação possível;
fechado o horizonte, chove.
[NAS MAIS ALTAS NOITES]
Nas mais altas noites
de areia movediça
e forte mansidão
a mulher é presença
em todas as idades.
Os crepúsculos a obscurecem
como as tristes madrugadas
com a doce tristeza das crianças
que pegam a borboleta
e a veem escapar de suas mãos.
Em sua angústia
procuram por elas os afogados
desesperadamente e elas
maternais ou amorosas
lhes confortam os passos
e apagam a escuridão
que cobre seus olhos.
Eles são os mesmos
que assusta as ondas
e ver se perder na névoa
seres e coisas
mais amado e desejado.
Elas são as mesmas
que nas noites mais altas
conversam com as estrelas
e sentem o estupor
dos ais cativos
e o obstinado voo
que resgata os sonhos
sem o limite escuro
das paredes brancas.
Amei
Neste mundo tão conturbado a vida fica um pouco mais amena com poesia.
Grata
Eunice Alves
Bom demais. Literariamente, lindos os poemas! Magníficos!!!!
Os versos da Matilde Espinosa me atingiram fundo na alma.Não a conhecia. Agora quero ler mais a sua poesia engajada.