5 Poemas de Soledad Fariña (Chile, 1943)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Gladys Mendía

Soledad Fariña (Antofagasta, Chile, 1943). Estudou Ciências Políticas e Administrativas na Universidade do Chile; Filosofia e Humanidades na Universidade de Estocolmo, Suécia; Ciências da Religião e Cultura Árabe na Universidade do Chile e é Mestre em Literatura pela Universidade do Chile. Publicou, entre outros, os livros de poesia O primeiro livro (1985), Albricia (1988), Em amarelo escuro (1994), Narciso e as árvores (1999), A vogal da terra (1999); Onde começa o ar (2006), Tudo está vivo e é imundo (2010), Agora, enquanto dançamos (2012), Yllu (2015), 1985 (2016), O Primeiro livro e outros poemas (2016), Pede a língua, antologia (2017).


TUDO TRANQUILO, IMÓVEL

Era preciso pintar o primeiro livro, mas qual pintar?
cual primeiro pegar todos os ocres      também
e amarelo escuro da terra
camadas umas sobre outras: argila terracota ocre
arranhar um pouco lamber os dedos para formar
essa pasta pegajosa
untar os dedos                os braços            já estás aberto
páginas brancas abertas não há percurso prévio
tentar entalhar os dedos

por que tão tristes         por que assim essas cores,
dizem, perguntam os choroyes de asas verdes
que passam em bandos
-Por que essa escuridão, gritam
-Há um negro que sombreia que nos cobre

Eles se afastam, mas não conseguem ver o vermelho que descubro
Debaixo da minha axila.

-Não há clareza, não há clareza, grasnam
-Caiu a nuvem cinza sobre meu voo: eram granizos
era gelo que quebrou minhas asas

E ali, nas cercas, suspendendo seu voo
eles começam a murmurar

tudo tranquilo inerte sereno


QUAL PINTAR QUAL PRIMEIRO

Zumbem as asas negras
atento o ouvido espreita o bater de asas
uma fenda profunda atravessa as camadas argilosas
cruza raio negro as camadas amarelas
as fulmina
transgride a suavidade dourada do pozinho
atento o ouvido espreita o bater de asas negras
de asas negras
que sustentam o ar que o aguentam
tudo tranquilo inerte sereno


BORBOLETA NOTURNA

se meteu no meu alento        Apertados os lábios
                                   como vou chamá-la
                 pergunta em espiral o ar da boca

                 -sorrindo numa curva está inventando
                                    cúmplices para vestir minhas fendas-

                                    onde estão dentro deste vazio
                  me pergunta sem ar buscando azuis verdes

                                                    Conter esta busca
                  espalhá-la (ao escuro) com uns traços brancos
                                     grossos             peço-lhe desde o peito


[SAIO LOBA À RUA CORRO]

Saio loba à rua corro
pela rua levantando turbilhões
de pó assim não me vêem
Abro portas goelas chaves
deixo as chaves abertas
as portas abro as goelas
levantando turbilhões de pó

Assim não          Me vêem            Agachada
em tuas costas afundando os dedos

onde chamar esgotei as fichas
não há mais fichas não há mais números
onde chamar


E RECORDA
A VALSA DE SEU ÉDEN

deslumbrante
vestida de farrapos
o olho fixo na outra do espelho
raspa o coração com um ancinho
que roubou do jardim de seu Éden
diz palavras ao ouvido
engole as palavras que lhe sobram
e seu vazio acompanha o gemido
do animal paralisado diante do rancor
do enxame
lucidez

(que sobe da sombra
a cantar o inefável)
o horror
pá branco a cavalo
no canto sagrado

a Blanca Varela,
poeta peruana, desde seu livro Concierto Animal

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