3 Poemas de María Soledad Quiroga (Bolívia, 1957)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

A poeta María Soledad Quiroga (1957) nasceu no Chile, mas logo se naturalizou boliviana. Além de poeta, é também jornalista e narradora. Foi colunista do jornal La Prensa e do semanário Pulso (La Paz). Participou de encontros e festivais de poesia, como o Encontro de Escritores Paraguaios e Bolivianos realizado em Assunção em 2002 e o Festival Internacional de Poesia de Medellín em 2006. Entre seus livros de poesia, destacamos Ciudad blanca (1993), Maquinaria mínima (1995), Recuento del agua (1995), Casa amarilla (1998), Los muros del claustro (2004), e Trazo de caracol (2011).

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O ofício poético é essencialmente solitário, mas o desejável é que a obra transponha essa condição de emergência para se realizar no contato com os outros. Por isso é fundamental abrir a poesia ao povo, levá-la onde está o povo, aproximá-la de quem não tem contato frequente com ela. Nesse sentido, são interessantes as iniciativas desenvolvidas pelos encontros e festivais que organizam leituras em diferentes espaços: praças, mercados, cafés etc. Esta é uma tarefa a ser realizada em primeiro lugar na Bolívia, porque assim como a poesia boliviana não é conhecida fora do país, também é desconhecida dentro.

Por outro lado, como a poesia não reconhece fronteiras, é fundamental estabelecer espaços de conhecimento e diálogo entre poetas de diferentes países de nossa língua. Penso em oportunidades de leitura, mas também em oportunidades de encontro que nos permitam conhecer-nos melhor, quebrar a tendência de olhar para o próprio umbigo, de pensar que o que se faz é único, de reconhecer tanto as diferenças como as profundas afinidades existentes. Pessoalmente, a leitura de outros poemas e as oportunidades que tive de interagir com poetas de outros países têm sido muito enriquecedoras.

María Soledad Quiroga


PAREDES DE ÁGUA

Paredes de água
escadas de ar
com os degraus quebrados
e
tempo
tempo adormecido
que cresce
e se torna onda
e leva
o instante em que
desde o fundo sem medo
e a pressa
pudemos ser a árvore dos relâmpagos
queimada
ardendo desde a raiz
e desejando florescer
em copos de gelo
e lava avermelhada.

Apenas bocas
e mãos abrindo
as persianas do ar
correndo todos os trincos
jogando a água
a chave
brilhante como uma moeda
que cai
e se perde
na escuridão do jardim
onde nós e os degraus
descemos
enquanto o tempo
cresce até o fundo.
Os ramos
se movem
apenas
e as janelas iluminadas
guardam
a imagem de um amor
cortado
como erva daninha
como planta venenosa
de suco escuro e amargo.

Cai a neve
sobre algum telhado
sobre o ar
em pleno verão
entre as páginas
que o piso derrete
às três da tarde
os ruídos apagados
chegam da rua
através da penumbra
felpuda de palavras
aromas
beijos
que afundam o silêncio
em que os corpos se encontram
e nomeiam
e percorrem com júbilo
o fio do tempo
como uma mão
que desliza sobre o teclado
branco e negro
noite e dia
em que nos perdemos
e buscamos.


É PERMANÊNCIA

Avança tão devagar
que o trem o deixa
todos os trens
sem sequer avistar a plataforma
talvez seja por causa da bagagem
ou da lua que brilha alto
o que o distrai
desenhando miragens
ou seja por causa
de seu empenho de chegar
que a meta
é sempre adiada.

Está sempre presente
caracol
derramado sobre si mesmo
vertido em seu jarro
deixando cair o fio
que incessante
brota
e em sua boca
recolhe.

Avança um milímetro e outro
e em cada um se detém
não há pressa
lhe apalpa a fundo
lhe beija
lambe
enamorado
joga a âncora
e pulsando define.

Volta a cabeça
e desanda o caminho
enamorado do fio
iluminado pela lua
enquanto segue adiante
cego
ao que deixa para trás
e brilha
e sem remédio
o seduz.
Um milímetro é imenso
e breve o dia
para recolhê-lo
mesmo que
palmo a palma
perdendo terreno
o ganhe.

Desanda o caminho feito
ou se detém
no palmo ganho
avança cravado em seu lugar
imóvel e veloz
tornando infinito
o ponto conquistado
quieto
voa
é
flecha no alvo.


DESFILADEIRO

Sobre
o abismo puro
cortado desde o céu
a encosta limpa
sem pedras ou obstruções de plantas
apenas vento cruzado
na garganta
apenas escuridão incubada
longamente.

No cimo
erguido sobre si mesmo
ar esforçado sobre ar
e espuma de aço
se eleva
frágil e ousada
a estrutura do vazio.

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