5 Poemas de Susy Delgado (Paraguai, 1949)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Susy Delgado (Paraguai, 1949). Escritora, jornalista e tradutora bilíngue (guarani-espanhol). Dedicou-se ao jornalismo cultural durante quatro décadas. Dirigiu a revista cultural Takuapu e a Oficina de Poesia Ara Satï. É membro titular da Academia da Língua Guarani e membro da Sociedade de Escritores do Paraguai. Sua produção literária inclui cerca de 40 títulos e destaca-se a poesia. Suas últimas coletâneas de poemas publicadas são Ogue jave takuapu (Quando o takuá se apaga), 2010, Yvytu yma (Velho vento), 2016; Ka’aru Purahéi (Canção do Pôr do Sol) 2018 e Desalma de los Adioses (2002). Suas traduções foram incluídas nas coleções bilíngues de poemas de sua autoria, antologias coletivas de poesia guarani como Ñe’ë Rendy. Poesia Guarani Contemporânea, 2011 e 2019, e Las voces del umbral, 2014, bem como as antologias individuais de Augusto Roa Bastos, Gabriela Mistral, Olga Orozco, Javier Viveros e Rosalía de Castro, com suas traduções para o guarani. Apresentou trabalhos sobre tradução e guarani na Alemanha, Chile, Brasil e França.

Sua produção se completa com seleções de suas obras jornalísticas, apresentações, volumes de contos e livros infantis. Parte da sua obra foi traduzida para inglês, português, alemão, galego, francês e italiano. Obteve diversas distinções nacionais, como a da Câmara Municipal de Assunção, em 1992; Personalidade do Ano, La Opinión, 1996; o Segundo Prêmio Municipal de Literatura, 2006 e 2016; Menção Honrosa do Prêmio Nacional de Literatura, 2007; e ganhou o Prêmio Nacional de Literatura em 2017. Da mesma forma, recebeu distinções internacionais como: finalista do Prêmio Extraordinário de Literaturas Indígenas, Casa de las Américas, Cuba, 1992; Prêmio Mérito Cultural, Parlamento Cultural do Mercosul, 2004; Prêmio Cide Hamete Benengeli, Radio France International e Universidade Toulouse Le Mirail, 2005; e a Homenagem da Universidade de Guadalajara aos poetas de línguas americanas, compartilhada com a maia Briceida Cuevas e a Wayuu Vicenta María Siosi, Feira Internacional do Livro de Guadalajara, 2019.


NÉVOA DA PALAVRA

Névoa da Velha Ayvu
murmúrio da terra
rugido do silêncio
eco dos mistérios
passagem do sem nome
grito dos desbocados
pulso e respiração
chão e céu
das perguntas…
Névoa da palavra…
Ayvu ratatinangue…

GLOSSÁRIO
Ayvu: palavra sagrada primordial da cultura guarani.
Ayvu ratatinangue: névoa desfiada da palavra primordial.


TATATINA

O inverno parece estar se reunindo
debaixo dos arbustos
cansado de se enrolar
encerrando sua última tarde
com as folhas variegadas
de um tempo que já passou
comprimento imprevisível e inominável…
A doce e velha tatatina
que a página costumava ter
para rejuvenescer o riso puro
espalhando o orvalho da vida
vem aparecendo nos dias
de um agosto que estava desaparecendo
se colocando também
triste irreconhecível
de um cinza escuro
Tatatina jepigua’ÿ
Exausta
como se ele tivesse envelhecido
agora sim, de jeito nenhum
mais triste e cinza
aquele longo inverno
que parecia
não querer ir embora…
O que aconteceu contigo
velha Tatatina
que sempre foste tão gentil?

GLOSSÁRIO
Tatatina: névoa primordial que volta todos os anos e cria as condições para a primavera.


SENTIRES

Descalça,
com roupinha puída,
o caldinho remexendo na barriga,
no descampado,
fala solitária,
solitária palavra.


[EU TALVEZ FALASSE]

eu talvez falasse
do meu país de sonhos queimados
– queimados talvez
uma soneca em que estavam
adormecendo os passos, as vozes e os pássaros.
Em que todos os olhos se foram tingindo
da cor do esquecimento,
da cor do silêncio,
da cor do cochilo.
Uma soneca em que tudo,
até o suor adormeceu na testa
e as moscas morreram nas mãos mortas –.

Sol e terra morena, poeira
sonolenta no reverso do tempo.

Ninguém ouviu o lagarto furtivo,
sob as folhas secas e sonolentas,
levar as lembranças,
os tremores e todas as respirações.

Nem houve quem ouvisse aquele murmúrio do velho riacho,
réptil e cúmplice, aguentando os gritos,
os facões, as polcas e os beijos adormecidos,
os sonhos queimados
e os pássaros mortos.


AQUELES QUE SE VÃO…

Mas quem sabe
talvez aqueles que vão embora
não vão assim tão tristes
desta terra entristecida…
Talvez esse tropel
de rostos incontáveis
em que já quase não vemos
aqueles que tanto amávamos
jogue fora essas mortalhas tristes
muito antes de chegarem ao novo mundo
onde eles vão viver
sua nova vida ignota
e rosados e belos
como jamais o foram
apenas vestidos
com respiração transparente
da liberdade
formem um grande elenco
e vão embora cantando
uma canção muito doce…
A música com a qual
os prisioneiros
desta terra triste
sequer sonhamos…

Quem sabe…
Talvez quando se encontrem
longe daquele tráfego negro irrespirável
estejam pisando
o território insuspeitado
de um novo universo
com passos vacilantes
como os das crianças
com gestos trêmulos
como quem acorda
o parto e o orgasmo
talvez agora eles estejam
criaturas preenchidas
de timidez e energia
de inocência, modéstia e ousadia
desenhando
com seus pés revividos
a nova dança
indesculpável
do amor.

Mborayhu jeroky
ipotyjera jevýva pyhare pypukúpe…
Dança do amor
que floresce novamente na noite profunda…

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