5 Poemas de Angye Gaona (Colômbia, 1980)

| | ,


Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Elys Regina Zils

Angye Gaona nasceu em Bucaramanga, Colômbia, em maio de 1980. Escreveu livros de poemas e foi professora de literatura e artes plásticas em escolas colombianas. É licenciada em Espanhol e Letras pela Universidade Industrial de Santander. Por seu ativismo em favor dos presos políticos colombianos, foi presa em seu país em 2011 e libertada após uma campanha internacional realizada por poetas, festivais de poesia ao redor do mundo e a organização PEN Internacional. Seu livro Volatile Birth, de 2009, foi traduzido e publicado na Itália por Andrea Garbin e no Brasil por Jefferson Vasques em 2012. No mesmo ano, parte dessa obra foi traduzida para o francês por Pedro Vianna e publicada em dossiê especial pela revista francesa La Voix des outres. Ao sair da prisão, continuou seus estudos de literatura e desenvolveu propostas alternativas de poesia experimental. Ganhou um prêmio de escultura em Bucaramanga com o poema visual Reja, localizado no espaço público da Universidade Industrial de Santander. Em 2018, foi nomeada Membro Honorário do PEN Club de Québec e convidada para o 34º Festival Internacional de Poesia de Trois-Rivières. Ela também participou do Primeiro Festival de Mulheres Poetas na China, província de Guangdong, cidade de Sihui.


PEQUENO ARDIL

Não te esqueças de teu guardião.
René Daumal

Protege-me de ti,
grande silêncio leve que habitas muito além da sombra,
entre os tumultos do zimbro e as mentiras sábias.

Protege-me de meu vento contrário
pois a brisa deixo de ser tua mensageira de pureza.

O que trarás, o que oferecerás,
aquém das sombras,
em um tempo de desaparecimentos,
quando as cabeças retornam separadas
indagando descrentes
se não deixaram algum segredo sob a língua.

Eu te escuto, oh Guardião,
porém não alcanço teu claro diadema de espiões sortilégios,
pois não pertences a este lado da sombra,
onde acaso eu possa te confundir com um bêbado no meio da rua.


NINHO DE FALHAS

Aqui estou acampado no centro do fogo, mão imensa remexe a donzela que amassa dons sobre meu destino, comovendo-o de imagens eternas.
Humberto Díaz-Casanueva

Haverá um motim ao norte e no centro temem a fratura anunciada pelos oráculos.

A zona radical ocupa prestidigitadores de todas as profissões. A tradição fala com terror das revoluções futuras. A região exige ser apaziguada antes que surjam as fumaças vulcânicas.

A profecia anuncia a fragmentação do país. Por este lado se abrirá a terra. Alguns a tomam literalmente; outros pensam que é uma questão política. O certo é que a força já não servirá para centralizar o território porque será desintegrada à força.

É natural então que todo movimento no norte alerte a diretoria central. Os filhos de Rionegro, os filhos do Playón e os filhos de Mogotes, os do Socorro, nascem com um rugido ao invés de canto. Um bramido os antecipa a voz em sua natureza.

Os do centro presumem que conhecem a ferida que parte em duas a nação e o lamentam em segredo por centenas de anos. Contra eles se armam e socorrem as vítimas em público. Porém, até agora, ninguém sabe com certeza o que se passa a 150 quilômetros da superfície radical.

Especula-se que tudo esteja relacionado com a energia sísmica e que em um ninho de falhas nascem exércitos rebeldes engendrados por vulcões adormecidos.


JORDÃO SOBE

Um ser que aos demais parece louco é um ser que abre caminhos na pedra
Quem veio fundar este povoado no fundo do canhão pode parecer um louco
Há povoações repletas de dementes e mesmo assim ali se instalam hotéis
Há constância de que a gente sobe e desce pelo caminho até enlouquecer
Loucos os que descem e sobem os riscos com o sol perpendicular ao rosto, sim
A capa passo eles herdam o verão
Loucos os que afogam vestidos novos na piscina quando passam turistas, sim
A liberdade alista sua aspereza


NA LOJA

A Jesús Roberto

Porque não apenas sobre pedras se ergueram
os reinos deste mundo,
mas também, e ainda mais, sobre as mordidas
da fome e da ausência.

Olga Orozco

Somo o que falta
para extrair do destino como resultado

Despejo a variável daquilo que não foi
encontro o que é
como evidência do enigma
e eu sei tudo

Tomo minhas ausências
com reprovação
até o esgotamento
em que se tornam positivas
e se deixam somar na subtração
como uma gema que ser cortada
cobra vida graças ao corte
e a incisão do esmeril
em sua única luz
que é sua ferida e sua valia

Somo minhas ausências
para me ver rodeada de nada
frente ao esmeril
como um x
ajustado à ganância


GUARITA

Esta tarde eu sou testemunho das premonições da água
Açoites de desejo nas costas eu percebo
como madrepérolas me deram por ancas

não é de crer que justo esta noite se pusesse a resgatar nomes de moluscos
e trouxesse a guarita com todas as suas letras envolta em um estremecimento

A mim que sempre quis antecipar marés e apagar margens
me sucede que esta tarde chega com uma guarita ao peito
disposto como o tempo à criação do nácar

O que descubro é que a profundidade se acumula no balançado de seu sangue

Esta tarde eu sou testemunho da harmonia com que crescem os palácios do cálcio

É de não acabar esta fusão com a matéria astral nascida à primeira vista de seu pescoço

 

 

 

1 comentário em “5 Poemas de Angye Gaona (Colômbia, 1980)”

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!